Do interior do Rio Grande do Sul, Átila Stapelbroek Trennepohl, diretor-presidente da Stara, uma fabricante de implementos agrícolas, tinha conseguido estabelecer até antes da guerra entre Rússia e Ucrânia uma carteira de clientes significativa para suas máquinas nos dois países. Quase um quinto de suas exportações se destinava a russos e ucranianos. Mas então veio o conflito que praticamente paralisou o comércio da região com o mundo.
Para o Brasil, a pauta mais relevante com a região passa pela importação de fertilizantes e pela exportação de soja, carne de frango e café. Mas a Rússia também tem sido um importante parceiro comercial para outros setores. O país comprou 36,9% do amendoim em grão, 15,5% das maçãs frescas, 11,6% dos aparelhos pulverizadores e 10,5% dos tratores exportados pelo Brasil nos últimos cinco anos, segundo cálculos da Confederação Nacional da Indústria (CNI). E o setor de máquinas, em particular, vinha registrando um súbito aquecimento da demanda russa.
Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), a Rússia costumava ter um papel mínimo como destino das exportações do setor – historicamente, cerca de 0,8%. Mas José Velloso, presidente- executivo da Abimaq, observa que em 2021 essa contribuição subiu para 1,5%. E em janeiro e fevereiro deste ano avançaram, respectivamente, para 5% e 4% do total vendido ao exterior.
“A impressão que eu tenho, mas não consigo confirmar porque não conversei com os russos, é que eles podem ter antecipado seus embarques prevendo que algum problema poderia ocorrer”, diz Velloso.
Em sua opinião, os empresários devem, no momento, continuar repassando os produtos que seriam destinados à Rússia para outros clientes que estavam atrás da fila de entrega enquanto aguardam a normalização da situação no Leste Europeu.
“Agora, prospectar novos clientes e mercados é algo mais demorado para o negócio de máquinas, e esse período de guerra foi muito curto para que qualquer indústria aqui tenha conseguido desenvolver qualquer outro negócio”, acrescenta o executivo.
Para algumas empresas, entre elas a Stara, a questão urgente não é nem conquistar novos clientes, mas conseguir honrar a entrega de produtos já comprados. A empresa, sediada no município gaúcho de Não-Me-Toque, havia vendido um lote de máquinas pulverizadoras para a Rússia e tenta fazer o produto chegar aos clientes.
“Nenhum armador grande atende a região no momento, Estamos tentando alguma alternativa de envio”, diz Trennepohl. A empresa já tentou realizar o envio para a Turquia ou Abu Dhabi, depois percorrendo o restante do caminho via Arzebaijão, mas o custo da operação aumenta cerca de seis vezes.
Em relatório recente, UBS nota que a quantidade de navios mercantes com destinos aos maiores portos da Rússia caiu 50% duas semanas após o início do conflito. A redução afetou todos os tipos de embarcação, de navios de contêineres a navios-tanque e graneleiros. Gigantes do setor, como a Maersk e a MSC, suspenderam o atendimento à região em meio à escalada das ações militares.
“Como os grandes embarcadores deixaram de atender a região, os produtos acabam empacados, o que pode gerar superlotação dos pátios dos portos. Com isso, até se fala em devolver carga”, diz Leandro Barreto, sócio da consultoria Solve Shipping Intelligence. “Se isso acontecer, quem paga o frete? E o que acontece com as mercadorias perecíveis?”, questiona.
A decisão de interromper os negócios com a Rússia foi a linha adotada por muitas grandes multinacionais após o início do conflito. No Brasil, a Scania e a CNH Industrial deixaram de produzir, respectivamente, caminhões e equipamentos rodoviários para o mercado russo.
Mas entre as que ainda tentaram manter o atendimento a seus clientes russos os obstáculos não se limitaram à falta de cargueiros.
A paulista Jacto, também do setor de máquinas, tem relações comerciais na região desde o fim da União Soviética, no início da década de 1990, e contabilizava até antes da guerra perto de 5% de seu faturamento com vendas aos russos. Os negócios foram inviabilizados depois que a Rússia deixou de ter acesso ao sistema de pagamentos global, conhecido como Swift.
“As exportações que já haviam sido embarcadas chegaram. Os embarques que ainda não haviam sido feitos acabaram cancelados e direcionados para outros clientes”, diz o presidente da empresa, Fernando Gonçalves.
O executivo relata, no entanto, que como a indústria está em um momento em que há dificuldade na obtenção de suprimentos, a carteira de pedidos do setor está “comprida” e a empresa tem conseguido redirecionar os pedidos.
Para além da trava comercial, José Velloso, da Abimaq, avalia que o maior impacto que o conflito deverá trazer para o setor é o aumento do custo das matérias-primas. E cita como exemplo o anúncio da siderúrgica CSN de elevar os preços do aço em 20% a partir de abril.