A demanda chinesa por soja começa a se enfraquecer em resposta aos preços altos da matéria-prima e à piora nas margens de produção de carne suína na China. Na sexta-feira, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) reduziu pelo terceiro mês consecutivo a perspectiva de importação do país – desde fevereiro, a projeção caiu 9 milhões de toneladas, para 91 milhões, bem abaixo dos 99,76 milhões de toneladas de 2020/21 e dos 98,53 milhões de toneladas de 2019/20. Mesmos os leilões das reservas estatais chinesas, anunciados em fevereiro e iniciados em março e que vêm sendo realizados semanalmente em abril, não têm atraído demanda expressiva – menos da metade do volume ofertado foi arrematado nos dois realizados neste mês.
Analistas ouvidos pelo Broadcast Agro assinalaram que as margens de esmagamento de soja vêm piorando na China, acompanhando a deterioração da atividade de produção suína, prejudicada por excesso de oferta, preços baixos da carne e custos de produção elevados. Os recentes temores sobre o efeito de novo surto de covid-19 e dos lockdowns restritivos em Xangai pioram a perspectiva. “A demanda ainda não voltou ao nível pré-Peste Suína Africana (PSA), e eles recuperaram o plantel muito rápido. Tem um cenário de excesso de oferta de carne suína com uma procura ainda não totalmente restabelecida”, diz Daniele Siqueira, analista da AgRural. Segundo Ismael Menezes, da MD Commodities, a falta de apetite chinês tem relação com a cotação da soja. “Com os preços que vinham sendo praticados no mercado internacional, dificilmente a China continuaria comprando no mesmo ímpeto.”
O analista Matheus Gomes Pereira, da Pátria Agronegócios, ressalta que os leilões das reservas estatais vêm tendo “baixa atratividade”. “Isso alimenta nossa visão de que os chineses podem estar precisando menos de soja”, avalia. O analista cita os baixos estoques nos portos chineses de soja recém-importada mas ainda não desembaraçada e diz que isso não tem ocasionado uma corrida às compras. “Com estoques baixos, se houvesse um apetite grande, os volumes ofertados nesses leilões iriam virar pó, seriam rapidamente consumidos. Mas não estão sendo adquiridos na sua totalidade”, afirma. “O mercado não está comprando essas reservas. É um sinal baixista no médio prazo.”
A expectativa do mercado é de que o governo venda pelo menos 5 milhões de toneladas. “É um volume relativamente significativo em um momento de pico da exportação brasileira. Pode esfriar uma demanda que já não é grande coisa”, afirma Daniele, da AgRural. Para a analista, isso não deve reduzir a perspectiva de venda externa do País ao longo de 2022, que, na estimativa da AgRural, deve ficar entre 77 milhões e 79 milhões de toneladas, mas pode deixar os embarques dos próximos meses menos concentrados. “Normalmente o Brasil tem picos de exportação em abril e maio. Pode ser que o pico não seja tão evidente”, projeta. A China tem comprado soja “devagar” e está pouco coberta em suas necessidades para este e o próximo mês, segundo a analista.
Conforme a analista Andrea Cordeiro, a China pode usar estoques regulatórios e adotar programa de leilões para tentar aliviar o aperto do mercado até a chegada de uma nova safra sul-americana no começo do ano que vem, buscando evitar a dependência excessiva dos EUA para obter suprimento. “Existe uma guerra comercial, e a China usa estrategicamente outros parceiros mais competitivos, até para pressionar os EUA para evoluir a segunda e a terceira fases do programa de retomada comercial. Se a performance dos leilões for positiva, a China consegue estabelecer um mercado um pouco mais confortável à espera de uma nova safra sul-americana.”
Para a analista Ana Luiza Lodi, da StoneX, dependendo do quanto a China liberar de estoques, vai precisar recompor as suas reservas a exemplo do que ocorreu depois da fase mais crítica da guerra comercial. “O país tem uma demanda gigante, a maior população do mundo, preocupação com segurança alimentar. Se consumir parte importante dos estoques, vai no futuro voltar a recompor”, afirma. “Após a tarifação de 25% da soja norte-americana na guerra comercial, os chineses reduziram estoques. Depois da fase 1 do acordo, recompuseram volumes”, lembra ela.