Acabou a COP 27, veio a Copa do Catar e, de repente, parece que o mundo mudou de assunto. As questões ambientais e climáticas foram ofuscadas pelas imagens dos estádios luxuosos cravados em pleno deserto e a sensação que fica é a de que ninguém mexeu no placar da Conferência realizada no Egito.
Sim, houve um “vencedor” no jogo disputado entre delegados de governos e empresas de todo o mundo: a realidade impôs-se sobre a expectativa. Consequência disso foi uma partida truncada no meio de campo diplomático, com poucos avanços e praticamente nada a se comemorar.
Mantendo a analogia esportiva, pode-se dizer que os 45 mil participantes que entraram em campo na COP 27 prometeram jogar bonito e fazer dessa edição do evento a “COP da Implementação” — ou seja, aquela em que veríamos com clareza e objetividade as táticas de cada país para efetivamente tirar do papel suas metas de descarbonização.
O grande lance, ao final de duas semanas de conversas e encontros, porém, foi o anúncio de mais uma promessa, dessa vez para a criação de um fundo de “perdas e danos” a ser criado para compensar os prejuízos dos países em desenvolvimento mais afetados pelas mudanças climáticas. O acordo inédito, apoiado pela ampla maioria dos países presentes, logo ganhou o rótulo de “histórico”. Foi, de fato, uma jogada de efeito, mas não propriamente um golaço. Ficou faltando o toque final para dentro das redes, que seria deixar claro como será colocado em prática — desde já uma tarefa de casa para a próxima COP, daqui a um ano.
Assim, a COP 27 repete o enredo de versões anteriores. Todo mundo afirma estar jogando no mesmo time e a partir do mesmo sentido de urgência em criar um modelo econômico de baixo carbono. Mas, assim que a bola começou a rolar, o que mais se viu foram passes de lado e pouca gente disposta a assumir o risco de partir para o ataque. Até que o juiz apitou e ficou aquela impressão de que dava para ter suado um pouco mais em busca de um resultado melhor.
Tarefa complexa, nesse cenário, é montar um compacto com os destaques da COP 27. Vejamos:
- O financiamento climático, mais uma vez, deixou de ser viabilizado. Na COP 15, há mais de uma década, os países desenvolvidos haviam assumido o compromisso de destinar cerca de US$ 100 bilhões por ano, a partir de 2020, para que nações em desenvolvimento pudessem investir em programas de descarbonização. Até agora, essa meta não foi atingida, mas, no discurso, já foi ampliada. Na COP 27 foi reforçada a necessidade da entrega do financiamento pelos sistemas financeiros e suas estruturas, que precisarão se atualizar juntamente com os governos, bancos centrais, bancos comerciais, investidores institucionais e outros atores financeiros. Os governantes trataram sobre o Plano de Implementação de Sharm el-Sheikh, que afirma que uma transformação global para uma economia de baixo carbono deve exigir investimentos de 4 a 6 trilhões de dólares por ano.
- Os combustíveis fósseis são responsáveis pela maior parte das emissões lançadas na atmosfera na última década. Nem por isso o tema foi endereçado de maneira eficiente não somente nesta COP mas em nenhum dos 27 anos de conferência do clima. Trazer esse assunto com força na próxima COP que será nos Emirados Árabes, ricos em petróleo, será, no mínimo, um tanto desafiador.
- O mercado regulado global de créditos de carbono, tal como finalmente aprovado em Glasgow, também não avançou no que se refere à regulamentação, embora houvesse muita expectativa nesse sentido.
- Ponto positivo — se não pelos resultados, mas pelo menos pela mudança de discurso e de percepção — foi o fato de a questão fundamental da segurança alimentar ter entrado no campo dos debates ambientais. O documento final da COP 27 inclui, pela primeira vez, uma menção aos sistemas alimentares e à interconexão entre a produção de alimentos, biodiversidade, água e clima. Trata-se de um avanço, principalmente para os países que ainda possuem grandes áreas de florestas, como o Brasil.
Quando se trata da produção de alimentos — e, portanto, das cadeias do agronegócio — é impossível dissociar esses temas, mantendo apenas agricultores e pecuaristas sob a pressão de evitar desmatamento e adotar um novo modelo produtivo, mas sem considerar que, de outro lado, eles também são cobrados a aumentar a oferta de seus grãos, fibras e proteínas. A própria Organização Mundial da Saúde (OMS), ao lado do anfitrião Egito, liderou o lançamento da Iniciativa sobre Ação Climática e Nutrição (I- CAN), com a proposta de “integrar a entrega global de ações políticas de mitigação e adaptação às mudanças climáticas e nutrição e sistemas alimentares sustentáveis para apoiar resultados bidirecionais e mutuamente benéficos”, segundo noticiado pela Forbes.
- Iniciativas como essa podem ajudar a dar visibilidade a esforços e programas já executados em muitas propriedades rurais brasileiras. Embrapa, governos estaduais e grupos privados ligados ao agronegócio aproveitaram esse novo momento para mostrar que a bola da agricultura de baixo carbono já rola nos nossos campos. O Plano ABC+, por exemplo, é o mais ambicioso do mundo no que se refere à descarbonização das cadeias produtivas do agronegócio. E pode ser ainda mais promissor com o engajamento de investidores de impacto e de mecanismos oficiais de financiamento internacional.
- No terreno privado, há sinais contraditórios. Foi bastante ressaltado, por exemplo, o aumento da participação de empresas, seja do setor produtivo ou do financeiro, no encontro, demonstrando um interesse maior em participar dos processos de descarbonização. A questão, como afirmou Luciano Rodrigues, pesquisador do Observatório de Bioeconomia da FGV e diretor de Economia da União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia (Unica), é que o ritmo de implantação, por elas, de seus compromissos está aquém do ideal. “A pergunta que prevaleceu, especialmente no setor privado, foi como conseguir avançar na descarbonização diante de tantas incertezas”.
Esse fato foi quantificado por um relatório de 42 páginas lançado na COP 27. Segundo a pesquisa 2022 Edelman Trust Barometer, que ouviu 14 mil pessoas em 14 países, 64% dos entrevistados consideram que as empresas estão sendo medíocres em seus planos de descarbonização e metade não confia em CEOs e suas promessas climáticas. O mesmo estudo dá, segundo relatou o jornal Valor Econômico, “a receita a quem produziu planos net-zero sem saber bem como cortar emissões de gases-estufa e quer consertar o malfeito”.
Para muitas empresas, que assumiram compromissos que, ao invés de se basearem em inventários de emissões eram calcados em estratégias de relações públicas, os desafios da implementação são reais e complexos. Mais uma vez, jogar menos para a torcida e entender melhor exemplos práticos, como o Plano ABC+, pode indicar caminhos para se chegar ao gol.
Nesse sentido, a iniciativa privada brasileira também tem aumentado sua participação de forma efetiva. No Egito, a Suzano, por exemplo, liderou um movimento que transforma compromissos em ações. A companhia anunciou a formação da empresa Biomas, em parceria com Vale, Itaú, Marfrig, Rabobank e Santander, cuja missão será restaurar 4 milhões de hectares de matas nativas em 20 anos.
O tempo de jogo corre rápido e é preciso mudar o placar. É hora de jogar no ataque, para chegarmos na COP 28 com mais resultados para comemorar.
Aline Locks é engenheira ambiental, cofundadora e atual CEO da Produzindo Certo, solução que já apoiou a maneira como mais de 6 milhões de hectares de terras são gerenciados, através da integração de boas práticas produtivas, respeito às pessoas e aos recursos naturais. Liderou projetos com foco em inovação e tecnologia, como o ‘Conectar para Transformar’, um dos vencedores do Google Impact Challenge Brazil. Recentemente foi selecionada pela Época Negócios como um dos nomes inovadores pelo clima, é uma das 100 Mulheres Poderosas da revista Forbes e uma das líderes do agronegócio 2021/2022 pela revista Dinheiro Rural.