Desde o fim de novembro, pelo menos quatro Estados — Pará, Paraná, Piauí e Sergipe — aprovaram projetos de lei que aumentam alíquotas do ICMS como forma de recompor a arrecadação perdida com a desoneração de combustíveis, energia elétrica e serviços de telecomunicações patrocinada pelo governo federal este ano. Para que as alterações entrem em vigor já em 2023, é necessário que as leis sejam sancionadas até o fim de dezembro. Especialistas alertam que iniciativas similares em outros Estados podem desorganizar o ambiente tributário.
No caso do Piauí, por exemplo, não está claro no projeto de lei aprovado na quarta-feira quais seriam os produtos e serviços que teriam suas alíquotas de ICMS majoradas, alerta Leonardo Gallotti Olinto, sócio do escritório de advocacia Daudt, Castro e Gallotti Olinto. Procurada, a Fazenda piauiense informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que a lei será sancionada em 2022.
O mesmo deve ocorrer no Paraná, onde deputados estaduais ratificaram em 30 de novembro o projeto de lei do Executivo que altera de 18% para 19% a chamada “alíquota modal”, aquela que incide sobre a vasta maioria dos produtos. A modificação vem para mitigar as perdas de arrecadação decorrentes das alterações promovidas com a publicação das Leis Complementares nº 192 e 194, esclareceu em nota a Secretaria de Estado da Fazenda do Paraná.
Publicada em março, a Lei Complementar (LC) nº 192 mudou o sistema de cobrança do ICMS sobre combustíveis, ao determinar — entre outras alterações — a cobrança de uma alíquota fixa por litro e uniforme em todo o país. Já a LC nº 194 estabeleceu que combustíveis, gás natural, energia elétrica, comunicações e transporte coletivo são bens e serviços essenciais e por isto deve incidir sobre eles a alíquota-padrão (modal).
No caso do Pará, a alíquota de ICMS incidente sobre a gasolina passou de 28% para 17% com a entrada em vigor das duas leis complementares. E o percentual de imposto cobrado sobre os serviços de comunicação caiu de 30% para 17%. A saída encontrada pelo governo estadual para recuperar sua arrecadação tributária foi o Projeto de Lei do Executivo (PLE) nº 397/2022. Aprovado pela Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) em 29 de novembro, a lei — uma vez sancionada — aumenta a alíquota modal de 17% para 19%, mas sem onerar os produtos da cesta básica.
Os governadores do Amazonas e de Alagoas também encaminharam ao Legislativo estadual, no início do mês, projetos que alteram alíquotas do ICMS com objetivo de compensar os efeitos das leis complementares 192 e 194. “A aprovação de projetos de lei estaduais que alteram a alíquota modal começa a trazer insegurança”, diz o ex-secretário de Fazenda fluminense Luiz Cláudio Rodrigues de Carvalho, hoje à frente da BMJ.K Consultores Associados. “É uma insegurança que se manifesta tanto no campo jurídico como na política e na economia”.
Para Carvalho, ao tentar derrubar a inflação com uma “canetada”, o presidente Jair Bolsonaro (PL) empurrou para 2023 a pressão sobre os preços. Como não houve uma saída negociada com os governadores, os Estados votaram a toque de caixa projetos que aumentam a tributação sobre centenas de produtos nos quais incide a alíquota modal.
“[O impacto] é inflacionário porque todos os preços vão subir para o consumidor final”, resume o ex-secretário estadual de Fazenda do Rio de Janeiro. A busca por uma compensação em termos de arrecadação está ligada ao fato de a LC 194 prever compensação apenas para as perdas de arrecadação dos Estados ou do Distrito Federal ocorridas em 2022.
A urgência dos Estados em aprovar ainda neste ano projetos de lei que elevam a alíquota modal do ICMS está diretamente relacionada ao chamado “princípio da anterioridade”. Como também acontece com outros tributos, qualquer aumento na cobrança de ICMS só pode passar a vigorar no ano seguinte, explica o advogado Leonardo Olinto. Ou seja, é vedado cobrar tributos no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. Além disso, a Constituição Federal também estabelece prazo de 90 dias decorridos da data de publicação da lei para que seja iniciada a cobrança do tributo.
Na prática isso significa que a possível solução em nível nacional para o revés tributário sofrido pelos Estados pode ficar para 2024. Isso porque é pouco provável que o grupo de trabalho estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para costurar um acordo sobre o ICMS entre representantes do governo e dos Estados chegue a uma solução consensual ainda em 2022, acredita Olinto. Qualquer solução legislativa — uma nova lei federal que altere o quadro atual — teria portanto de respeitar o princípio da anterioridade.