A produção intensiva de suínos é uma atividade que demanda complexidade de cuidados para garantir a saúde e o bem-estar dos animais. No modelo de produção operado pela suinocultura brasileira, o uso de antimicrobianos tem sido estratégia de apoio no controle de doenças da produção. Seu uso tem sido direcionado tanto a patógenos primários quanto aos secundários que se instalam a partir lesões (portas de entrada) e/ou fatores de risco presentes nas granjas. Além disso, alguns antimicrobianos, ainda podem ser utilizados como melhoradores de desempenho, os conhecidos promotores de crescimento.
Da perspectiva da suinocultura os antimicrobianos são grandes aliados, porém, a emergência de patógenos multirresistentes na clínica veterinária e humana, trouxe à tona um debate mundial sobre “o uso prudente dos antimicrobianos”. Os antimicrobianos são considerados um recurso de saúde pública pouco renovável, devido à dificuldade de novas classes serem descobertas e chegarem ao uso clínico.
Existem várias razões pelas quais há urgência de seguirmos no sentido da redução da quantidade de antimicrobianos utilizados na produção de suínos, dentre as quais destacamos:
- Resistência antimicrobiana: O uso rotineiro de antimicrobianos na produção animal contribui com o aumento da resistência antimicrobiana pela seleção de organismos resistentes. A resistência adquirida é consequência da mutação de genes do genoma microbiano. Os genes de resistência são albergados em elementos genéticos móveis, como plasmídeos e transposons, que podem ser transferidos horizontalmente entre as bactérias. Quando a resistência ocorre a mais de três classes de antimicrobianos, as bactérias são classificadas como multirresistentes. A resistência é uma causa importante de falha do tratamento baseado em antimicrobianos, e tem como consequência o aumento no custo com saúde e na letalidade das infecções tanto em animais quanto em humanos.
- Segurança alimentar: A presença de resíduos de antimicrobianos na carne pode representar risco pela exposição dos consumidores a essas substâncias. Isso pode ocorrer quando falha a atenção ao período de carência que é o tempo seguro de retirada dos antimicrobianos antes do abate, que é determinado pelo fabricante do produto. A presença de resíduos de antimicrobianos nos produtos de origem animal pode resultar em restrições comerciais em alguns mercados internacionais. O Brasil possui o Plano Nacional de Controle de Resíduos e Contaminantes (PNCRC/Animal). Bactérias presentes na carne, patogênicas ou não, são reservatórios de genes de resistência e podem chegar ao consumidor através do alimento. Este conceito de resistência antimicrobiana de origem alimentar é estabelecido entre as organizações internacionais de saúde e é a motivação de esforços para seu controle nos sistemas de produção de proteína animal. Alguns países monitoram e rastreiam o perfil de resistência antimicrobiana das bactérias isoladas da carne importada. Os resultados estimulam a discussão sobre medidas necessárias para a redução do uso de antimicrobianos, com o objetivo de controlar a emergência da resistência antimicrobiana.
- Bem-estar animal: O uso frequente de antimicrobianos na produção animal pode ser indicativo de práticas inadequadas de manejo e bem-estar animal. Em alguns casos, o uso de antimicrobianos pode ser uma forma de compensar más condições de higiene, superlotação, manejos ou outros fatores de estresse que podem predispor os suínos às doenças. Ao promover melhorias de bem-estar animal, é possível reduzir a dependência de antimicrobianos, proporcionando mais conforto em ambiente agradável e fornecendo um alimento ético ao consumidor final.
- Sustentabilidade ambiental: A alta densidade de produção e o uso inadequado de antimicrobianos podem resultar na presença dessas substâncias no meio ambiente, solo, águas superficiais e subterrâneas, o que pode ter efeitos negativos na biodiversidade e no equilíbrio dos ecossistemas. A presença de resíduos de antimicrobianos no dejeto suíno e seu uso como fertilizante em atividades agropastoris pode contribuir com a persistência de genes de resistência antimicrobiana no ambiente. Existem evidências que demonstram este impacto e projetos de pesquisa nesta área estão em curso, inclusive no Brasil.
Essas são algumas das razões pelas quais há uma crescente necessidade de reduzir a utilização de antimicrobianos na produção de suínos. Isso pode ser alcançado através da adoção de boas práticas de manejo, as quais promovem a saúde e bem-estar animal, com uso de antimicrobianos apenas quando estritamente necessário e sob orientação de um médico-veterinário. O caminho para se conseguir reduzir o uso de antimicrobianos na produção de suínos demanda uma diversidade de medidas, entre as quais se destacam as boas práticas agropecuárias que visam à prevenção e o controle de doenças, tanto práticas inespecíficas como específicas, a depender do mapeamento dos desafios sanitários das unidades de produção.
Estas práticas incluem especialmente: programas de biosseguridade e vacinação, manejo de parto e de colostro, densidade de animais por metro quadrado, ambiência, qualidade do ar, infraestrutura dos galpões, fornecimento de água e alimento em qualidade e quantidade adequada, higiene das instalações, manejo adequado dos dejetos e educação continuada dos colaboradores.
A alimentação tem uma importância elementar no desempenho e na saúde dos animais, é desejável a utilização de ingredientes de qualidade com boa digestibilidade. O equilíbrio na formulação das dietas de acordo com a idade e fase de vida, deve suprir as necessidades nutricionais, promover o desempenho e o fortalecimento do sistema imune, mitigando o risco das infecções. Leitões mais pesados ao alojamento na creche e no crescimento, reduz a necessidade de antimicrobianos, efeito esse esperado pela capacidade fisiológica dos animais enfrentarem desafios. A modulação da microbiota intestinal proporciona metabólitos benéficos que interferem na saúde geral de diferentes sistemas, tanto digestório quanto respiratório.
A biosseguridade é um conjunto de medidas que visam evitar a entrada de novos patógenos na granja bem como a disseminação de patógenos endêmicos. Controlar a entrada e a saída de animais, pessoas, veículos e materiais na granja, fumigação de materiais, controle de pragas e roedores, banho e troca de roupas para entrar na granja, arco de desinfecção para veículos entre outras medidas compõem o conjunto de medidas de biosseguridade externa. Quando citamos a entrada de animais, como prática de biossegurança, devemos nos atentar não somente ao plantel reprodutivo, mas também a formação dos lotes de creche, crescimento e terminação e as origens que formam esses lotes. O elevado número de origens para a composição dos lotes é um dos maiores desafios para a suinocultura brasileira. Estratégias como o uso de manejo em bandas contribuem para a piramidação do sistema de produção, de forma a reduzir o número de origens na formação dos lotes e com isso mitigar o risco de transmissão de doenças. A organização da produção possibilita o planejamento e execução do manejo “todos dentro, todos fora” com vazio sanitário entre lotes, prática essencial para quebrar o ciclo de contaminação entre lotes.
A biosseguridade interna é o conjunto de boas práticas direcionadas para uma granja performar melhor na presença de patógenos endêmicos. Reduzir a “pressão de infecção” e a disseminação destes patógenos irá impactar no desempenho zootécnico e econômico. Para tanto, é necessário remoção dos dejetos e de animais mortos das instalações para um local de tratamento, limpeza e desinfecção das instalações, dos materiais e equipamentos, cuidados especiais nas fases de parto e lactação, diagnóstico correto e tratamento adequado das doenças, lavar as mãos com frequência entre muitas ações para manter baixos os níveis de pressão de infecção.
O investimento de recursos em biosseguridade reflete diretamente na redução do uso de antimicrobianos. Em trabalho conduzido na Alemanha, França e Bélgica, avaliando 227 unidades de produção, foi verificado que as granjas mais produtivas tinham menor incidência de problemas entéricos na maternidade e respiratórios na terminação. Além disso, as melhores granjas tinham escores maiores de biosseguridade e o uso mais intensivo de vacinação. Isso proporcionou melhor desempenho, mesmo para aquelas situadas em regiões com alta densidade de produção de suínos.
Este cenário posto para as cadeias de produção de proteína animal, as quais consomem parte dos antimicrobianos comercializados no mundo, colocou algumas questões para a suinocultura brasileira. Uma das perguntas diz respeito a real necessidade dos programas de medicação correntes. Algumas respostas estão sendo buscadas de forma cooperativa nos projetos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Produção e Sanidade Animal do Instituto Federal Catarinense (https://ppgpsa.ifc.edu.br/) em parceria com a Embrapa Suínos e Aves. Alguns achados demostraram que a redução de tratamentos profiláticos com antimicrobianos é possível, sem prejuízo nos parâmetros de desempenho zootécnicos (Figura 1), mesmo utilizando animais do sistema comercial de produção. Além disso, a simples substituição dos antimicrobianos por aditivos alimentares, sem uma estratégia integrada pode não trazer os benefícios esperados.
Em um dos trabalhos desenvolvidos nesta cooperação, utilizando um banco de dados de 4.802 lotes de suínos terminados, observou-se que o aumento do número de origens de creches de uma até 5 granjas, para formas os lotes de crescimento, incrementou o custo com tratamentos. Neste estudo, o número de origens foi o principal fator de risco associado ao aumento do custo de medicação, impactando mais que o vazio sanitário e a limpeza e desinfecção das instalações.
A prática da vacinação é uma ferramenta essencial para prevenção de doenças da produção no Brasil, em especial para o controle da circovirose, rinite atrófica, pleuropneumonia, enterite proliferativa e pneumonia enzoótica. Em diversos países, os sistemas de produção que que estabeleceram metas para reduzir o uso de antimicrobianos incrementaram de forma intensiva os programas de vacinação. No momento estamos conduzindo um trabalho utilizando o modelo de vacinação para Lawsonia intracellularis a fim de confirmar a hipótese da redução do uso de antimicrobianos. A Enterite Proliferativa (EP), causada pela L. intracellularis, se apresenta na forma aguda como enterite hemorrágica, mas também ocorre na forma subclínica reduzindo o ganho de peso e piorando a conversão alimentar. Esta doença é controlada preventivamente pelo uso de antimicrobianos, estratégia amplamente utilizada na suinocultura intensiva. Os dados preliminares de nosso trabalho demonstram que, através da vacinação estratégica para EP, foi possível manter o desempenho dos animais desde o desmame até o abate, sem a utilização profilática de antimicrobianos in feed.
As múltiplas práticas agropecuárias devem ser utilizadas de forma conjunta (ou complementar) para a promoção da saúde única e do bem-estar animal e, como consequência, reduzir a necessidade do uso antimicrobianos, confirmando a máxima que diz que “é melhor prevenir do que remediar”.
* Conversão alimentar de suínos na fase de crescimento e terminação (64-167 d; P=0,2887) (Tutida et al., 2021).
** Conversão alimentar de leitões na fase de creche (26-63 d; P=0,2222) (Güths et al., 2022).
*** Conversão alimentar de suínos na fase de crescimento e terminação (64-167 d; P=0,8098) (Güths et al., 2022).