As chuvas e inundações que deixaram ao menos 78 mortos e mais de 100 desaparecidos no Rio Grande do Sul, além de milhares de desabrigados, já elevam o risco de desabastecimento de alimentos no Estado.
No domingo, o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, disse, em entrevista ao lado do presidente Lula e de vários ministros, que as inundações vão impactar as cadeias produtivas de proteínas animais porque aves e suínos não estão sendo entregues nos frigoríficos [para abate], o que deve causar desabastecimento. “O frigorífico também foi atingido, está colapsado. Isso atinge também os trabalhadores, naturalmente. Mas tem também uma questão de desabastecimento”, afirmou.
Ele disse que a Secretaria de Agricultura do Estado está acompanhando a situação junto a empresas produtoras de proteína animal e alimentos, que tiveram as operações paralisadas por conta das inundações.
Segundo Leite, “serão necessárias medidas de apoio para reconstrução das unidades de produção agropecuária por conta da questão do abastecimento”.
“É um cenário bastante caótico”, afirmou Ricardo Santin, presidente da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA). Ele disse que ainda é cedo para calcular os prejuízos, já que a prioridade agora é salvar vidas. Além disso, muitas áreas sequer têm acesso a sinais de telecomunicações.
Segundo Santin, há ao menos sete plantas de aves e suínos paradas no Estado. Em cinco, o transporte dos trabalhadores foi inviabilizado pelas inundações. As outras duas não estão recebendo insumos ou estão sem água potável.
As inundações nas cidades, a interrupção de estradas e a queda de pontes está inviabilizando a cadeia. Em muitos casos, as rações não chegam aos criadores e não é possível fazer o transporte de animais. Além disso, muitos trabalhadores tiveram que sair de suas casas ou não conseguem chegar às fábricas, e a produção da carne não encontra contêineres nem via de escoamento.
Para a ABPA, é “inevitável” o desabastecimento de carne, ovos nos supermercados do Estado. E os efeitos também poderão ser sentidos para além das fronteiras gaúchas. O Rio Grande do Sul representa 11% do abate de frangos e 20% do abate de suínos do Brasil.
As empresas estão adotando algumas medidas emergenciais, como troca de rações entre as unidades mais próximas e com algum acesso logístico para garantir a alimentação dos animais.
A ABPA também tem dialogado com o Ministério da Agricultura para remanejar o abate dos animais para frigoríficos que não foram impactados, garantindo abates extras nessas unidades.
Porém, disse Santin, mesmo com a chegada de alimentos de fora do Estado, ainda há o desafio de distribuição, já que estradas seguem inundadas e houve queda de pontes. Ele afirmou ainda que há risco de não cumprimento de contratos de exportação de carnes.
Segundo o dirigente, a ABPA está em conversas com o Ministério da Agricultura para solicitar uma linha de apoio aos produtores para manter a produção ativa.
No fim de semana, produtores gaúchos seguiam tentando salvar o que fosse possível, de animais a lavouras. Em Triunfo, na região metropolitana de Porto Alegre, mais de 500 bois foram resgatados de fazendas de criação em três dias. O resgate foi realizado por uma empresa prestadora de serviço, que atendeu 80 produtores.
“No último dia que trabalhei, havia cerca de 100 cabeças de gado em um galpão e nós conseguimos retirar apenas 80. Em torno de 20 a 25 cabeças de gado ficaram dentro do galpão e acabou perdendo”, contou Henrique Ramos, da família proprietária da empresa.
Em Capão do Leão, no sul do Estado, Antonio Quinto Di Cameli, sócio-administrador da fazenda Estância da Gruta, decidiu entrar em campo e colher sua produção o quanto antes para evitar perdas maiores. A intenção é colher os 25% de sua área de soja que ainda resta para ser colhida.
As possíveis perdas nas lavouras gaúchas influenciaram o mercado futuro da bolsa de Chicago na última sexta-feira. Os lotes com entrega para julho fecharam em alta de 1,33%.
“Essa alta no preço pode ser atribuída, em parte, às enchentes que deixaram algumas lavouras de soja submersas. Também há um problema logístico (…) vai ser difícil para as tradings cumprirem seus compromissos de exportação agora em maio”, disse Luiz Pacheco, da T&F Consultoria Agroeconômica.