O CEO do Carrefour, Alexandre Bompard, vem sendo pressionado por setores na França a recuar de sua polêmica promessa de não comprar mais carne do Mercosul, e assim evitar prejuízos com um boicote no Brasil contra essa rede de supermercados, conforme a coluna apurou.
Ao mesmo tempo, há risco de a situação ‘deslizar’ um pouco mais: a Assembleia Nacional francesa faz nesta terça-feira e o Senado na quarta-feira um debate sobre o acordo União Europeia-Mercosul. É um movimento com cartas marcadas para um posicionamento claro: o único tema que une todo mundo na França é a oposição ao acordo com o Mercosul. A discussão foi convocada pelo primeiro-ministro Michel Barnier, feliz com a unanimidade contra o Mercosul quando não consegue superar dificuldades em outros temas como o de cortar 60 bilhões de euros de despesas e resolver questões envolvendo a imigração.
Os franceses tinham esperança de que o acordo com o Mercosul não avançaria. Quando as notícias de Bruxelas deram conta de que a Comissão Europeia podia realmente assinar o acordo no começo de dezembro, a situação azedou. Os agricultores franceses entraram agora na segunda semana de manifestações contra o entendimento birregional, e diferentes forças continuam mobilizadas também.
Nesse cenário de tensão, se os parlamentares franceses fizerem algo muito agressivo contra o Brasil e o resto do Mercosul, isso poderia dar margem a reações no Congresso brasileiro, por exemplo ampliando os pedidos de boicote contra produtos franceses.
O que não dá é para o Brasil ficar sem dar resposta ao Carrefour e a outra série de desinformação na França pela repercussão pesada na imagem da carne brasileira.
A perplexidade, mesmo na França, é grande com o CEO de Carrefour, de anunciar que a rede de supermercados não comercializaria mais nenhuma carne originária do Mercosul. ‘Entendemos o desânimo e a raiva dos produtores (franceses) diante da proposta de acordo de livre comércio entre a União Europeia e o Mercosul e o risco de a produção de carne que não atende aos seus requisitos e padrões se espalhar pelo mercado francês”, escreveu ele, em carta ao presidente da Federação de Agricultora francesa.
A constatação em Paris é de que Bombard foi longe demais, num evidente erro de cálculo político. Aparentemente, o executivo viu no movimento dos agricultores contra o acordo UE-Mercosul uma oportunidade para melhorar a imagem não exatamente boa da rede de supermercados junto aos agricultores, e acabou escorregando feio.
Alexandre Bompard sequer levou em conta que 23% do faturamento de Carrefour ocorre no Brasil, onde tem a segunda maior operação no mundo, só perdendo para a França.
Além disso, Bompard anunciou US$ 300 milhões de investimentos na Argentina no começo do mês. O Carrefour vende carne argentina na França, e os argentinos se mostram tão irritados quanto os brasileiros com a promessa do executivo contra a carne do Mercosul. Dizer que daria preferência ao produto nacional faz parte do jogo. Mas indicar que a carne do Mercosul não tem o mesmo padrão abre o flanco
para mais desinformação e manipulação contra o produto do Mercosul, que tomou mais proporções na França.
A rede Intermarché, que não tinha a ver com a história, acabou anunciando que também não venderia carne suína do Brasil – que sequer é exportada para o mercado europeu, por causa de barreiras sanitárias.
A questão é: o que o conselho diretor do Carrefour vai fazer se o grupo começar a perder dinheiro no Brasil. No momento, a expectativa é de que Bompard recue do que disse, mas até isso é complicado, porque ele divulgou carta, clara e sem hesitação. Não dá sequer para argumentar que foi mal-entendido. Se a situação piorar, e Bompard cair, não será surpresa.
As informações são de que a diretoria da rede de supermercados está assustada com a dimensão que o caso tomou. Por enquanto, tenta consertar a história dizendo que vende na França sobretudo carne francesa – o que é visto como outra demonstração de arrogância, aparentando pouca preocupação em comercializar no Brasil a carne local que não considera boa para ser vendida na França.
O reputado jornal frances Le Monde publica que boicotes podem acabar custando caro, numa referência à proposta do governo de Mato Grosso para brasileiros deixarem de comprar no Carrefour. O jornal lembra que uma campanha no Marrocos contra a Danone causou prejuízos de 180 milhões de euros. Em 2023, a Bud Light da cervejaria Anheuser-Bush perdeu seu lugar de número um de vendas nos EUA depois que uma colaboração com um influenciador transgénero suscitou a ira dos conservadores americanos. Na Indonésia ou no Oriente Médio, marcas ocidentais presentes em Israel enfrentam retorsão de parte de consumidores.
O mais irônico é que o caso Carrefour ocorre quando o relacionamento bilateral vive um bom momento com Lula e Macron. Vários temas nas mais variadas áreas, que ficaram parados durante o governo de Jair Bolsonaro, foram reativados.
A preocupação é assim forte para se evitar ‘transbordamento’’ que possa contaminar a relação Brasil-França. Autoridades francesas mostram-se conscientes dessa situação, pelo menos informalmente.