Os agricultores brasileiros devem entregar a maior safra de soja da história nos próximos meses e retomar, graças ao dólar valorizado, uma rentabilidade maior para o campo, mesmo com preços internacionais considerados baixos.
As estimativas variam na mesma direção: a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), estatal ligada ao Ministério da Agricultura, projeta que a produção brasileira poderá chegar a 166 milhões de toneladas, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) estima 169 milhões de toneladas (40% da soja global) e algumas consultorias privadas chegam a prever 172 milhões de toneladas.
Para efeito de comparação, a produção na safra 2023/2024 foi estimada em 147 milhões de toneladas, representando uma redução de 4,5% em relação à safra anterior, que foi recorde, com 154 milhões de toneladas.
De acordo com a Agroconsult, uma consultoria especializada em commodities agrícolas, o recorde é fruto de um combo que inclui aumento de área, clima favorável no início do ciclo e boas condições de plantio na maioria dos estados produtores.
A produtividade – isto é, quanto cada agricultor consegue colher em média por hectare (10.000 metros quadrados) de lavoura – deve ultrapassar 60 sacas por hectare no país, contra 55 sacas na safra anterior, quebrada pela estiagem.
Pode parecer pouco para um leigo, mas a diferença causa estragos. O campo registrou recorde de recuperações judiciais por agricultores (um tipo de proteção judicial contra credores) e teve impacto na balança comercial do país no ano passado.
As receitas de vendas para o exterior de soja, que liderou a exportação brasileira em 2023, tiveram queda de 18% (US$ 42,08 bilhões até novembro), sendo ultrapassadas pelo petróleo (US$ 42,76 bilhões no mesmo período). Foi a primeira vez desde o início da série histórica, em 1997, que o petróleo superou o grão nas vendas para fora.
“No cenário internacional, a acentuada valorização do dólar em relação ao real torna o produto brasileiro mais atrativo para os compradores estrangeiros, fator que tende a impulsionar as exportações”, afirma relatório do Cepea/USP (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Universidade de São Paulo, em Piracicaba (SP).
Segundo o estudo, os contratos negociados em dólar para embarque nos portos brasileiros no primeiro semestre de 2025 foram fechados com cotações inferiores às registradas no mesmo período do ano anterior, com os valores internacionais também operando em níveis mais baixos. A saca é negociada em média a US$ 22.
O impacto na economia real
No trajeto da BR-163 no norte de Mato Grosso, onde a rodovia corta a maior região produtora de soja do mundo, a chuva no tempo certo e o dólar nas alturas fizeram milhares de pessoas virar a página de uma safra (2023/2024) ruim para aguardar fartura e bonança com a soja que está sendo colhida agora.
“Já estamos com 30 a 35% da área da soja colhida até agora. Está um pouco apertado porque o ideal seria estar plantando o algodão da safrinha, mas ainda está um pouco nublado, o que atrasa um pouco a colheita, mas é claramente uma boa safra”, disse ao UOL Miguel Vaz, prefeito de Lucas do Rio Verde (MT) e, ele próprio, produtor do grão.
Lucas do Rio Verde surgiu como uma pequena aglomeração de agricultores do Rio Grande do Sul, em meados dos anos 1970, incentivados pela política de expansão da fronteira agrícola para o norte do Mato Grosso durante o governo de Ernesto Geisel (1974-1978).
Emancipado em 1988 com 5.000 habitantes, o município tem hoje perto de 90 mil e integra, ao lado de Sinop, Sorriso e Nova Mutum, um pedaço de Brasil onde o PIB chega a crescer 10% ao ano, impulsionado pelo agro.
Depois da soja e o algodão (cultura colhida na segunda safra), a economia de Lucas do Rio Verde diversificou-se na cadeia produtiva com plantas de etanol, biocombustíveis e abate de aves. Segundo o IBGE, o município tem um PIB por habitante de R$ 98 mil (2021), mais que quatro vezes a média do país.
Miguel Vaz, paranaense cuja família mudou-se para o norte de Mato Grosso nos anos 1970, é um retrato das novas fortunas que o agro produziu nas últimas décadas.
Reeleito prefeito de Lucas com 75% dos votos pelo Republicanos no ano passado, ele declarou à Justiça Eleitoral bens de R$ 219 milhões.
O fator dólar acima dos R$ 6, explica o prefeito e produtor, põe mais dinheiro no bolso do agricultor porque, embora preços de defensivos agrícolas e fertilizantes acompanhem as oscilações da moeda americana, parte dos custos da lavoura, como mão-de-obra, manutenção de maquinário e frete, é cotada em reais.
“Onde a agricultura é forte, as cidades são fortes. Normalmente, quando se tem uma boa safra com boas condições de mercado, há muito investimento e geração de empregos na própria cidade, com o comércio expandindo, construção civil e de infraestrutura. O investimento é feito aqui”, disse.
“É um ciclo que eleva as receitas do município”, observa.
Ganho logístico
A safra deste ano, segundo o prefeito, deve se beneficiar de um fator logístico, com a duplicação do trecho de 95 quilômetros entre Lucas do Rio Verde e Nova Mutum.
A estrada, principal rota de escoamento de commodities rumo aos portos exportadores do Sul e do Sudeste, viveu oito anos de incerteza depois que a Odebrecht, que era a concessionária da BR-163, colapsou no esteio da Lava Jato, na década passada.
Após anos de impasse, uma nova concessionária foi escolhida em 2023, e trechos paralisados foram retomados. Ao todo, 850 quilômetros entre Sinop (no norte) e Itiquira deverão estar duplicados. Os 444 quilômetros finais, em vários trechos, devem ser entregues a um custo de R$ 9 bilhões (R$ 5 bilhões via BNDES).
Há ainda o projeto de construção de um ramal ferroviário ligando 743 quilômetros entre Rondonópolis, no sul do Estado, a Lucas do Rio Verde. A ferrovia, construída pela Rumo, vai se conectar com a malha que segue até o Porto de Santos (SP). A previsão de conclusão da obra é 2028.
“Quando isso acontecer, 70% da produção sairá da estrada”, projeta o prefeito.