Sibely Aiva Flores1, Pedro Henrique Pereira2 , Vinícius de Souza Cantarelli3
1Mestranda em Metabolismo e Fisiologia Animal – UFLA. Membro do Núcleo de Estudos em Suinocultura – NESUI.
2Graduando em Medicina Veterinária – UFLA. Membro do Núcleo de Estudos em Suinocultura – NESUI.
3Professor e Pesquisador no Departamento de Zootecnia da UFLA. Orientador do Núcleo de Estudos em Suinocultura – NESUI.
Nos últimos anos, o conceito de ESG (Environmental, Social and Governance, em inglês) deixou de ser um diferencial competitivo para se tornar um requisito essencial na produção animal, especialmente na suinocultura. As crescentes exigências de consumidores, investidores e reguladores impulsionam mudanças concretas na forma como o setor lida com sustentabilidade, bem-estar animal, uso de recursos naturais e transparência.
Por que ESG está no centro do debate na suinocultura?
A conscientização global sobre os impactos da produção de alimentos na saúde humana, no meio ambiente e nas relações sociais tem alterado significativamente as expectativas dos stakeholders:
● Consumidores querem saber como sua alimentação afeta o planeta;
● Investidores utilizam critérios ESG para mitigar riscos e garantir a sustentabilidade dos negócios;
● Reguladores estabelecem normas mais rígidas de rastreabilidade e monitoramento ambiental.
Um exemplo concreto de como os investidores estão atentos à essa agenda é a FAIRR Initiative, uma ferramenta essencial para investidores que buscam reduzir riscos e impulsionar a transição para um sistema alimentar sustentável. Por meio do Coller FAIRR Protein Producer Index, a iniciativa avalia 60 das maiores empresas globais de carnes, laticínios e aquicultura com base em 10 fatores críticos de ESG, como emissões de carbono, desmatamento, bem-estar animal e uso de antibióticos. Ao fornecer dados transparentes e rankings detalhados, a FAIRR ajuda investidores a identificar empresas com práticas arriscadas e incentiva a adoção de modelos mais resilientes e sustentáveis no setor de proteínas.
Fonte: FAIRR (2023).
Dada sua complexidade e intensidade, a suinocultura está no centro de discussões sobre o uso de antimicrobianos, emissão de poluentes, gestão de resíduos, bem-estar animal e equidade na distribuição de valor ao longo da cadeia produtiva. Nesse contexto, ferramentas capazes de mensurar e monitorar esses impactos tornam-se cada vez mais relevantes. Um exemplo é a Análise do Ciclo de Vida (ACV), sendo identificados 55 estudos aplicados na suinocultura com o Brasil, como principal país cujos sistemas de produção de suínos foram avaliados (Andretta et al., 2021), demonstrando o crescente interesse em avaliar os impactos ambientais do início ao fim da cadeia produtiva.
Fonte: Adaptado de Andretta et al. (2021). Environmental Impacts of Pig and Poultry Production: Insights From a Systematic Review. Frontiers in Veterinary Science. 1; Open access. DOI: 10.3389/ fvets.2021.750733
Passado e Futuro
Fonte: dos autores (2025).
Pilar Social: Pessoas como ativo estratégico
O componente social do ESG valoriza o capital humano. Na suinocultura, isso significa enfrentar a alta rotatividade com políticas de valorização, como programas de participação nos lucros, capacitação contínua e boas condições de trabalho. Tais ações aumentam a retenção de talentos, melhoram os índices de produtividade e criam um ambiente organizacional pautado pela responsabilidade e pertencimento. Além disso, a ideia de dividendo social vai além do lucro financeiro: diz respeito à geração de valor para a comunidade, como a redução de passivos ambientais, a promoção da saúde pública a exemplo da redução no uso de antibióticos e o fortalecimento de vínculos com a sociedade.
Pilar Governança: Eficiência com responsabilidade
A governança é o alicerce da sustentabilidade e da longevidade econômica das granjas. Mais do que uma gestão financeira eficiente, trata-se de adotar decisões técnicas baseadas em dados, assegurar a conformidade com legislações, promover a transparência e alinhar-se a objetivos que transcendam o lucro, gerando valor para todos os envolvidos. A tomada de decisões tecnicamente embasadas, como o uso de coprodutos, enzimas ou a adoção da imunocastração que deve considerar não apenas os ganhos econômicos, mas também os impactos ambientais e sociais. Essa visão ampliada do retorno sobre o investimento fortalece a reputação da empresa, facilita o acesso a mercados premium e reduz riscos regulatórios.
A nutrição de precisão destaca-se como uma das ferramentas mais poderosas da governança, onde não apenas reduzem custos, mas também otimizam o uso de recursos naturais, diminuem a excreção de nutrientes e elevam o desempenho zootécnico, impactando positivamente o meio ambiente e a sustentabilidade econômica. Estratégias possíveis de serem adotadas, como:
● Substituição de ingredientes caros por coprodutos tecnicamente viáveis;
Estre trabalho destaca os impactos positivos da utilização de DDGS (Destilados Secos de Grãos com Solúveis) e carboidrase na produção animal, alinhados aos critérios ESG .A inclusão de DDGS reduziu o custo por tonelada de R$ 1.523,20 para R$ 1.482,70, e com a adição de carboidrase, o valor cai ainda mais para R$ 1.452,40, gerando economia significativa. Ademais, o uso combinado de DDGS e carboidrase influencia o teor de proteína bruta (PB), aumentando-o de 18,00% para 20,50% (com DDGS) e ajustando-o para 19,50% (com enzima), melhorando a qualidade nutricional. A redução de contaminantes ambientais também foi evidenciada, reforçando a sustentabilidade do processo.
Em outra pesquisa, realizada na China, foi observado que a substituição do farelo de soja por DDGS (grãos secos de destilaria com solúveis), destacou-se por reduzir as pegadas de carbono e nitrogênio e apresentar custos mais baixos de ração (Wu et al., 2024).
● Uso de enzimas (fitases, proteases, carboidrases):
Estudos demonstram que a suplementação com diferentes fontes (Fitase A e B) e doses (500 a 2000 FTU) de fitase em rações para suínos reduz significativamente os teores de fósforo (P) nas dietas (ex.: P total de 0,702% para 0,496% na fase pré-inicial I), minimizando a excreção de contaminantes ambientais.
Em escala comercial, a aplicação de 1000 FTU de fitase em uma cooperativa com 25.000 matrizes resultou em reduções drásticas no uso de fosfato inorgânico (MDP), com quedas de 11,6 kg/ton para 3,1 kg/ton (Crescimento 1), 10,8 kg/ton para 2,4 kg/ton (Crescimento 2) e 10,0 kg/ton para 1,6 kg/ton (Terminação), gerando uma economia total de 1.013 toneladas/ano de MDP. Além dos ganhos econômicos, a excreção de fósforo foi reduzida em 80% (de 160 para 32 toneladas/ano), evidenciando o alinhamento desta tecnologia com os princípios ESG ao promover produção sustentável, eficiência nutricional e menor impacto ecológico.
Fonte: AnimalNutri (2022).
● Formulação por digestibilidade com tecnologias como NIR (Near Infrared Reflectance);
A governança moderna também exige monitoramento contínuo: rastreabilidade de insumos, controle produtivo, registros sanitários e histórico de uso de antimicrobianos são fundamentais para uma gestão baseada em evidências. Esses dados permitem identificar gargalos, implementar melhorias e comunicar resultados de forma clara a investidores, auditores e consumidores.
Pilar Ambiental: Nutrição como aliada da sustentabilidade
A nutrição representa um dos maiores custos da suinocultura, mas também uma das maiores oportunidades de redução de impactos ambientais. Quando bem planejada, a alimentação pode contribuir significativamente para os três pilares do ESG, o chamado triple bottom line (econômico, ambiental e social).
Principais estratégias incluem:
● Redução da proteína bruta com uso de aminoácidos digestíveis: menos excreção de nitrogênio e fósforo (Rocha et al.,2022; Duarte et al., 2024)
● Uso de enzimas (fitases, proteases, carboidrases): maior digestibilidade, menos emissão de gases e menor dependência de ingredientes nobres (Valente Junior et al., 2024; Aranda-Aguirre et al. 2021; Lu et al., 2020)
● Alimentação por fases e por sexo, baseada em nutrição de precisão: melhor atendimento às necessidades fisiológicas dos animais;
● Melhoria tecnológica na fabricação das rações (moenda, extrusão, peletização): mais eficiência nutricional;
● Escolha estratégica de ingredientes e uso de aditivos como ácidos orgânicos e minerais orgânicos;
● Busca por aditivos promissores como substitutos parciais e/ou totais de antimicrobianos e óxido de zinco; destacando-se os ácidos orgânicos, fitobióticos, probióticos, pós-bióticos, ácidos graxos funcionais e bacteriófagos. Essas abordagens atuam por mecanismos que incluem a acidificação do trato gastrointestinal, destruição da membrana bacteriana, competição com patógenos por nutrientes e adesão, modulação imune, e produção de substâncias antimicrobianas naturais (Sung et al., 2025);
● Imunocastração como alternativa ética à castração cirúrgica, com impactos positivos sobre bem-estar e desempenho zootécnico. Foi demonstrado que a imunocastração demonstrou vantagens ecológicas e produtivas em comparação à castração cirúrgica, reduzindo a pegada de carbono em 7,1% e 6,8%, respectivamente, devido ao maior ganho médio diário (GMD) e melhor conversão alimentar. (Gickel & Visscher, 2025).
A eficiência alimentar, expressa pelo índice de conversão alimentar (CA), é um dos melhores indicadores de redução de impacto ambiental: quanto melhor a conversão, menor a produção de dejetos e emissões.
O papel estratégico dos profissionais: Médicos-veterinários e Zootecnistas
Médicos-veterinários e zootecnistas assumem papel de protagonistas na implementação da agenda ESG. Deixam de ser meros executores operacionais para se tornarem estrategistas da sustentabilidade, com influência direta nos indicadores e nas decisões técnicas. Sua atuação integrada permite alinhar tecnologia, bem-estar animal e viabilidade econômica. A visão holística desses profissionais é fundamental para garantir que as soluções implementadas sejam eficazes, éticas e sustentáveis a longo prazo.
ESG não é custo, é investimento
A implementação de práticas ESG na suinocultura vai além da resposta às pressões do mercado. É uma oportunidade concreta de evolução para um modelo produtivo mais eficiente, responsável e rentável. A integração entre os pilares ambiental, social e de governança, sustentada por ciência e tecnologia, eleva o patamar da suinocultura brasileira. Adotar a agenda ESG não é um custo, mas um investimento estratégico, capaz de abrir portas para mercados exigentes, atrair investidores e garantir a continuidade da produção de suínos com ética, ciência e responsabilidade. O setor possui os recursos, o conhecimento técnico e a capacidade de liderar esse movimento. O momento de agir é agora.
ANDRETTA, Ines et al. Environmental impacts of pig and poultry production: insights from a systematic review. Frontiers in veterinary science, v. 8, p. 750733, 2021.
ARANDA-AGUIRRE, Edgar et al. A systematic-review on the role of exogenous enzymes on the productive performance at weaning, growing and finishing in pigs. Veterinary and animal science, v. 14, p. 100195, 2021.
DUARTE, Marcos Elias et al. Low crude protein formulation with supplemental amino acids for its impacts on intestinal health and growth performance of growing-finishing pigs. Journal of Animal Science and Biotechnology, v. 15, n. 1, p. 55, 2024.
GICKEL, Julia; VISSCHER, Christian. Carbon footprint of immunocastrated male fattening pigs compared to entire males, gilts, and surgically castrated males. Resources, Environment and Sustainability, p. 100232, 2025.
LU, Hang et al. Effect of phytase on nutrient digestibility and expression of intestinal tight junction and nutrient transporter genes in pigs. Journal of Animal Science, v. 98, n. 7, p. skaa206, 2020.
ROCHA, Gabriel Cipriano; DUARTE, Marcos Elias; KIM, Sung Woo. Advances, implications, and limitations of low-crude-protein diets in pig production. Animals, v. 12, n. 24, p. 3478, 2022.
SUNG, Jung Yeol; DENG, Zixiao; KIM, Sung Woo. Antibiotics and Opportunities of Their Alternatives in Pig Production: Mechanisms Through Modulating Intestinal Microbiota on Intestinal Health and Growth. Antibiotics, v. 14, n. 3, p. 301, 2025.
VALENTE JUNIOR, Dante Teixeira et al. Carbohydrases and phytase in poultry and pig nutrition: a review beyond the nutrients and energy matrix. Animals, v. 14, n. 2, p. 226, 2024.
WU, Huijun et al. Insights into carbon and nitrogen footprints of large-scale intensive pig production with different feedstuffs in China. Resources, Environment and Sustainability, v. 18, p. 100181, 2024.