Plano do governo ameaça a saúde pública, fragiliza o controle sanitário e fere prerrogativas do Estado.
O Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários (Anffa Sindical) denunciou ao Ministério Público Federal (MPF) o plano do governo federal de permitir o credenciamento de pessoas jurídicas para execução de serviços técnicos ou operacionais de defesa agropecuária, incluindo atividades sensíveis como a inspeção ante mortem e post mortem de animais destinados ao abate. A entidade alerta para o risco iminente de lesão a direitos fundamentais, à saúde pública, ao interesse coletivo e à regularidade da atividade fiscalizatória exercida por servidores públicos de carreira.
O plano foi anunciado como parte da proposta de regulamentação do artigo 5º da Lei 14.515/2022, conhecida como Lei do Autocontrole. A medida prevê, por exemplo, a contratação de médicos-veterinários terceirizados, pagos diretamente pelos frigoríficos — o que comprometeria a isenção e a efetividade da fiscalização sanitária. Na prática, o consumidor final será o maior prejudicado, com a redução da qualidade da proteína consumida e o aumento do risco à saúde da população.
Na denúncia, o Anffa Sindical requer a instauração de inquérito civil público e a análise da legalidade e constitucionalidade da minuta da Portaria nº 1.275/2025, submetida à consulta pública pela Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura e Pecuária (SDA/Mapa). A entidade solicita, ainda, que o MPF recomende formalmente à pasta que se abstenha de publicar a portaria nos moldes atuais, especialmente no que se refere à delegação indevida de atividades típicas de poder de polícia administrativa a entes privados.
A proposta do governo acende um alerta quanto ao enfraquecimento da fiscalização agropecuária e a segurança dos alimentos produzidos no Brasil. Por isso, o Anffa Sindical também pede uma análise técnica sobre os riscos que o novo modelo representa não apenas para o mercado interno, mas também para o comércio internacional, uma vez que o Brasil exporta produtos de origem animal para mais de 150 países.
“Esta não é uma pauta corporativista. Estamos tratando da preservação da saúde pública e da credibilidade internacional do Brasil como fornecedor de alimentos seguros. Não é possível admitir que funções típicas de Estado, com impacto direto na vida de milhões de brasileiros e na economia do país, sejam delegadas a terceiros com vínculos diretos com os fiscalizados. Seguiremos mobilizados e não descartamos medidas mais severas para impedir que esse plano avance”, afirma Janus Pablo Macedo, presidente do Anffa Sindical.
Entenda o caso
Os auditores fiscais federais agropecuários são responsáveis por atividades essenciais de fiscalização e inspeção sanitária e industrial de produtos de origem animal, assegurando que os alimentos consumidos pela população estejam dentro dos padrões sanitários exigidos. Suas ações envolvem, entre outras medidas, imposição de multas e descarte de produtos, quando não atendem aos critérios de segurança e qualidade.
Muitas vezes, esses profissionais atuam em oposição direta aos interesses econômicos dos frigoríficos, sendo até intimidados e ameaçados, o que exige independência e proteção legal para o exercício de suas funções típicas de Estado. No entanto, a proposta do governo abre caminho para a terceirização de funções fiscalizatórias a entes privados, comprometendo a imparcialidade e a integridade do sistema.
Além disso, a medida também se aplica ao credenciamento de empresas ou profissionais para certificação de programas de autocontrole e avaliação de registros de produtos, conforme previsto na própria Lei 14.515/2022. Em razão das inconstitucionalidades envolvidas, a Confederação Nacional dos Trabalhadores nas Indústrias de Alimentação e Afins (CNTA), com apoio direto do Anffa Sindical como amicus curiae, propôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.351/DF, atualmente em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF).
Riscos práticos e conflitos de interesse
A minuta da Portaria nº 1.275/2025, submetida a consulta pública pelo Mapa, apresenta inconsistências e falhas graves, segundo o sindicato. Ela permite, por exemplo, que frigoríficos contratem os próprios profissionais responsáveis por fiscalizá-los, o que configura claro conflito de interesses. A mudança abre espaço para fraudes, omissões e enfraquecimento do controle sanitário, o que pode comprometer gravemente a saúde pública e a reputação da inspeção brasileira no exterior.
O Anffa Sindical reforça que continuará atuando junto ao Congresso Nacional, ao Judiciário e à sociedade civil organizada para garantir que a fiscalização sanitária no Brasil siga sendo exercida com independência, rigor técnico e compromisso com a saúde da população.