Cientistas sonham há séculos em usar órgãos de animais para tratar humanos doentes. Nos últimos anos, esses esforços começaram a dar frutos: pesquisadores começaram a transplantar corações e rins de porcos geneticamente modificados em pacientes, com graus variados de sucesso.
O órgão sofreu danos após o transplante, mas funcionou até certo ponto, relataram cientistas da Universidade Médica de Guangzhou na revista Nature Medicine. O órgão foi removido após nove dias.
Cientistas americanos acharam o procedimento emocionante, mas pediram cautela. Como o procedimento manteve seu pulmão direito funcional no lugar, o experimento não provou que o pulmão transplantado poderia sustentar a vida por conta própria, observaram os críticos.
— É muito promissor e um ótimo primeiro passo, mas ainda há muito trabalho a ser feito para tornar isso viável. Se houver uma maneira de realmente obter órgãos de animais e fazê-los funcionar de maneiras geneticamente modificadas, isso seria muito emocionante — afirma Stephanie Chang, professora associada de cirurgia cardiotorácica na Escola de Medicina Grossman da NYU e diretora cirúrgica do programa de transplante de pulmão.
Embora a diálise possa ajudar pessoas com insuficiência renal, não há muito que possa substituir seus pulmões, segundo Chang.
Só nos Estados Unidos, milhões sofrem de doenças pulmonares graves e fatais, incluindo condições crônicas causadas pela Covid. No entanto, há uma escassez extrema de pulmões humanos disponíveis para transplante. Muitos órgãos de doadores, danificados por uma vida inteira de exposição ambiental, simplesmente não estão em boas condições para transplante.
Dúvidas sobre o experimento
— É impressionante, mas não responde à pergunta: esse pulmão está funcionando? — aponta Richard N. Pierson, professor de cirurgia na Escola Médica de Harvard e no Instituto de Pesquisa Geral de Massachusetts, que fez uma extensa pesquisa sobre transplantes de coração de porco.
A equipe de pesquisa poderia ter bloqueado o fluxo sanguíneo para o pulmão direito para avaliar o desempenho do transplante, disse ele, mas não o fez.
— Eles demonstraram que um pulmão de porco pode ser costurado em um ser humano e mostraram o que acontece. Mas uma oportunidade foi perdida neste experimento — ressalta.
Os autores chineses do relatório não responderam aos pedidos de mais informações por e-mail.
O pulmão do porco também sofreu danos 24 horas após o transplante. Sinais de rejeição mediada por anticorpos, que ocorre quando o corpo produz anticorpos e ataca o órgão, sendo a causa mais comum de falha do transplante, foram observados três e seis dias após o transplante. Acúmulo de líquido também foi detectado no pulmão.
Como os pulmões entram em contato com o ambiente a cada respiração e estão constantemente expostos a ameaças externas, como alérgenos, poluentes e vírus, eles são ricos em células imunológicas.
As respostas imunológicas nesses órgãos são, portanto, mais agressivas do que aquelas observadas em outros órgãos sólidos, como os rins, e os pulmões transplantados têm maior probabilidade de falhar.
— Se você colocar todos os órgãos em um espectro, o pulmão sempre será o mais difícil de ser transplantado — ressalta Leonardo Riella, do Hospital Geral de Massachusetts, que realizou o primeiro transplante bem-sucedido de um rim de um porco geneticamente editado para um ser humano vivo.
Em transplantes de humano para humano, um rim normal pode durar de 12 a 14 anos, enquanto um pulmão pode durar de cinco a sete anos.
Equipes de pesquisa ao redor do mundo têm aumentado o número de experimentos com órgãos de porcos geneticamente modificados criados por diferentes empresas, com vários conjuntos de edições genéticas.
Em março, uma equipe de cientistas chineses relatou ter transplantado um fígado de porco geneticamente alterado em uma pessoa com morte cerebral. Ele funcionou por 10 dias, produzindo bile e albumina suína e mantendo o fluxo sanguíneo estável sem sinais de rejeição.
A empresa americana eGenesis também estuda o transplante de fígados de porco, além de outros órgãos. Em abril, a empresa recebeu autorização da Food and Drug Administration (FDA) para iniciar testes clínicos usando fígados de porco para tratar pacientes com uma condição chamada insuficiência hepática crônica aguda. O tratamento envolve a circulação do sangue do paciente para fora do corpo, através do fígado do animal.
Grande parte do foco dessas pesquisas clínicas tem sido nos rins, visto que mais de meio milhão de americanos sofrem de insuficiência renal e precisam de diálise, incluindo cerca de 100.000 que estão em listas de espera para rins humanos. Há uma escassez aguda de órgãos doados, com menos de 25.000 transplantes concluídos em 2023. Muitos pacientes morrem enquanto esperam.
Em fevereiro, a FDA também deu sinal verde à United Therapeutics Corporation para iniciar um teste clínico de transplante de rins de porcos geneticamente modificados em pacientes com insuficiência renal.
Um homem de New Hampshire que recebeu um rim de um porco geneticamente modificado produzido pela eGenesis vive com o órgão desde janeiro. Ele é o sobrevivente mais longevo com um rim de porco até hoje.