O Brasil possui posição privilegiada na produção e exportação de proteínas de origem animal. Em 2021, o Brasil foi o terceiro maior produtor e principal exportador mundial de carne de frango, o quarto maior produtor e exportador de carne suína e o quinto maior produtor de ovos do mundo. Apesar de ocupar uma posição de destaque na produção e comercialização dessas proteínas, o país ainda possui gargalos que impactam diretamente na competitividade desses setores.
Alguns desses desafios vêm sendo apontados nos estudos de competitividade realizados pela Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA) em parceria com a Agroicone em 2013, 2018 e 2022. Desde 2013, são avaliados os principais componentes dos custos agropecuários, industriais e logísticos no Brasil e nos seus principais competidores na avicultura e na suinocultura, entre eles Estados Unidos, União Europeia e Canadá.
Os resultados desses estudos apontam que a competitividade brasileira está centrada nas etapas iniciais da cadeia produtiva e que, nos últimos anos, mesmo com a desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar, o Brasil vem perdendo suas vantagens competitivas históricas. Esse cenário é resultado, principalmente, da alta significativa dos preços do milho e farelo de soja, principais insumos da ração animal. Entre 2019 e 2021 o preço do milho no Brasil em dólares subiu em média 95%, enquanto nos Estados Unidos, Canadá e Europa, o aumento médio nesse período foi de respectivamente 61%, 53%, 52%. Nesse período, o aumento médio de preço do farelo de soja foi de 39% na União Europeia, 34% no Brasil, 27% nos Estados Unidos e Canadá.
O aumento do preço dos insumos reflete gargalos internos, como a dependência de fertilizantes do mercado externo, a predominância do modal rodoviário para transporte de grãos, a alta, complexa e injusta tributação dos insumos. Ferramentas de transparência sobre os volumes exportados de insumos são urgentes para implementação.
O sistema tributário nacional prejudica a competitividade brasileira em razão de sua alta complexidade, com a incidência de diferentes tributos e repartição da competência tributária entre União, estados e municípios, o que onera e aumenta a carga tributária para o setor. As empresas brasileiras levam em média 1.501 horas/ano para organização e pagamento de tributos, sendo esse o maior tempo de apuração dentre todos os países do mundo.
A alta tributação também eleva o custo de outros insumos importantes na cadeia produtiva, como a energia elétrica. Embora seja referência na geração de energia renovável, o Brasil possui uma das tarifas de energia elétrica mais caras do mundo. Do custo total da energia elétrica, 31% são tributos e 13% são encargos.
Ainda sobre os custos industriais, o principal componente – a mão de obra – continua sendo um grande desafio. A indústria tem que lidar com a escassez de mão de obra qualificada. Políticas que incentivem a formação técnica de jovens deve ser uma prioridade para qualquer governo e constam nas recomendações elaboradas pelo estudo.
Tentativas de automação e modernização em etapas do processo produtivo tem sido extremamente desafiadoras. Juros elevados, desvalorização cambial, combinadas com a burocracia para o crédito e exigência de conteúdo nacional para empréstimos com condições especiais atrasam significativamente o processo, deixando cada vez mais espaço para nossos competidores internacionais, que não têm medido esforços para modernizar o parque fabril.
Mesmo com a dificuldade de acesso e as constantes barreiras (tarifárias, sanitárias, técnicas e mais recentemente de aspecto ambiental), o país tem se valido de seu excelente status sanitário e práticas produtivas para exportar a mais de 140 países a carne de frango e quase 90 países a carne suína. O Brasil é o único grande produtor de aves que nunca registrou casos de influenza aviária (IA), sendo reconhecido pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) como país livre e que adota a compartimentação sanitária, com alto nível de biossegurança nos locais de produção. Na sanidade de suínos, o País erradicou há tempos a Peste Suína Africana (PSA) e foi declarado como livre da doença em 1984.
Para reverter a queda de competitividade, são necessárias medidas de curto, médio e longo prazo. De imediato, é preciso o desenvolvimento e ampliação de toda a malha ferroviária da região Centro-Sul e a implementação célere e coordenada do Plano Nacional de Fertilizantes para a redução dos custos de produção de milho e soja e diminuição da dependência externa. Além disso, é preciso considerar também a previsibilidade dos estoques e das exportações e dessa forma evitar a pressão especulativa sobre os insumos. Com esse intuito seria importante implementar um sistema de informação antecipada das exportações de grãos, para que todas as compras internacionais de grãos brasileiros acima de determinado volume sejam informadas aos órgãos oficiais do Brasil e se tornem públicas.
Outro fator levantado pelo estudo é a baixa inserção internacional do Brasil em acordos de livre comércio, principalmente em mercados estratégicos como países da Ásia. Ainda, é necessário melhorar o crédito para inovação, bem como desenvolver e ampliar políticas públicas voltadas à capacitação e retenção de mão de obra, em parceria com organizações de ensino público e privadas. Uma reforma tributária que simplifique os processos e reduza a carga tributária é essencial.
Essas são algumas das recomendações do estudo aos gestores públicos, visando reforçar a posição brasileira no mercado internacional, e dessa forma manter e ampliar sua capacidade para promover a segurança alimentar, geração de empregos, eficiência energética e inovação em um cenário de recuperação econômica após a pandemia e sob impactos da guerra que afeta a produção agropecuária no mundo e faz pairar novamente o flagelo da fome sobre boa parte das populações mais pobres.
O mundo conta com o Brasil para esta importante tarefa. Cabe a nós, brasileiros, fazer as devidas lições de casa. Não há espaço nem tempo para errar e a união dos setores públicos e privados é fundamental para seguirmos em frente e na frente.
(* Sobre os autores: Lucas Gabriel de Paula Silveira e Luciane Chiodi Bachion são, respectivamente, pesquisador e sócia e pesquisadora sênior da Agroicone. Luis Rua e Ricardo Santin são, respectivamente, diretor de mercados e presidente da ABPA)