É possível gerar uma integração entre saúde animal, humana e o meio ambiente? Não apenas é possível, mas é de extrema necessidade. O conceito de “Saúde Única”, em inglês “One Health”, pode ser definido como esforço colaborativo multidisciplinar, atuando em nível local, nacional e global para garantir uma saúde equilibrada para o homem, os animais e o meio ambiente.
O livro “Saúde Única – Uma Visão Sistêmica”, organizado por Álvaro Menin, aponta que dentro do conceito One Health “projetam-se e tomam forma ideias sistêmicas, colaborativas, compartilhadas e organizacionais como resultado destes importantes movimentos, que seguem a diretriz de uma discussão mais ampla do conceito de saúde. Em uma abordagem mais contemporânea, o conceito de ‘One Health’, traduzido como Saúde Única, proposto já na década de 90, remete a estratégias interdisciplinares e integrativas de promoção à saúde, integrando a visão de indissociabilidade da saúde humana, saúde animal e saúde ambiental. O valor da Saúde Única é mais bem apreciado do ponto de vista da saúde pública, especialmente no mundo em desenvolvimento, onde recursos limitados forçam ações coordenadas entre médicos, veterinários e conservacionistas ecológicos”.
Essa discussão se faz ainda mais importante diante do aumento da população mundial que tem levado à demanda crescente por proteínas, sejam de origem vegetal ou animal. Nesse cenário vale lembrar que cerca de dois terços das doenças infecciosas emergentes resultam de zoonoses, a maioria delas (cerca de 70%) proveniente de animais silvestres. Ebola, vaca louca, gripe aviária e gripe suína são exemplos de zoonoses que vêm afetando seres humanos há algum tempo. Mais recentemente, estamos convivendo com a Covid-19, que também tem sua origem em animais.
O surgimento de novas doenças infecciosas tem sido associado com a ação do homem sobre o meio ambiente. Degradação de habitats, poluição, extinção de espécies, disseminação de espécies invasoras e mudanças climáticas são exemplos dessa pressão que pode favorecer o aparecimento de novas doenças ou a migração de alguns patógenos para fora do seu habitat natural. O aparecimento de novas doenças não é uma ameaça apenas para o homem, mas também para os animais domésticos.
Essa questão também envolve o aumento da resistência a antibióticos no ambiente ao redor de granjas intensivas, como demonstrado em uma pesquisa conduzida pela organização não-governamental Proteção Animal Mundial e realizada pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) nas cidades de Castro, Palotina e Toledo, no Paraná no final de 2021.
Os genes identificados causam resistência bacteriana a medicamentos muito comuns utilizados para tratar importantes doenças infecciosas em pessoas. Já há um movimento contrário no sentido da prevenção em algumas partes do mundo. Recentemente entraram em vigor na União Europeia (UE) novas leis proibindo que animais de criação nos países membros sejam alimentados rotineiramente com rações contendo antibióticos. É preciso analisar esse e outros fenômenos sob o olhar da Saúde Única.
Saúde Única: um conceito necessário para o futuro da humanidade
A saúde única no Brasil é um conceito ainda desconhecido da população em geral. Em outros países, esse conceito é muito mais difundido. Temos feito um trabalho intenso para ampliar a comunicação sobre o tema, pois do crescimento do conhecimento sobre isso depende o nosso futuro, dentro de uma coexistência mais saudável e em plena harmonia.
Precisamos de ações político-sociais, éticas e legislativas para o crescimento do conceito One Health. Leis mais objetivas em torno das estruturas para proteger as populações são essenciais para geração de uma infraestrutura que sistematize e apoie o trabalho dos formuladores de políticas, planejadores de desenvolvimento, profissionais de saúde humana e animal e agências de biossegurança.
Há ainda outros desafios que representam uma barreira para a universalização do conceito de Saúde Única. Um exemplo é o desordenado processo de urbanização, que, associado ao adensamento populacional, além da íntima relação do homem com animais domesticados e o meio ambiente, gerou a necessidade de se estabelecer uma nova relação entre a saúde humana, animal e ambiental.
Aqui, ressalto mais uma passagem do livro de Menin, na qual é apontada a necessidade de promover uma cooperação multidisciplinar focada no conceito de Saúde Única através de uma visão global, acompanhada de desafios baseados em três pilares: aquisição de condições para a implantação de medidas de Saúde Única, políticas cooperativas para promover a união entre os diferentes setores, e o monitoramento e a validação da eficácia das medidas previamente implementadas.
Diante disso, olhar para o futuro envolve considerar a Saúde Única como algo fundamental no processo de evolução e por ajustes no modo de conviver e, acima de tudo, no modo como vamos produzir mais alimentos para atender a demanda crescente de seres humanos em nosso planeta.
Daniel Cruz
Coordenador de Agropecuária Sustentável da Proteção Animal Mundial