Uma disputa na Justiça entre produtores integrados de aves e o Banco do Brasil está gerando preocupação até para advogados que não têm nada a ver com o processo, mas que acompanham o segmento de crédito rural. De um lado, a Associação de Integrados da Perdigão (AIP) diz que o BB não respeita a Lei da Integração ao conceder financiamento para agroindústrias; de outro, o banco afirma que se submete apenas ao Manual de Crédito Rural.
A AIP entrou na Justiça para que o BB considere parâmetros técnicos e econômicos validados por Comissões de Acompanhamento, Desenvolvimento e Conciliação da Integração (Cadecs) antes de financiar uma agroindústria integradora. Segundo afirmou a AIP ao Valor, empresas têm inflado números de rentabilidade para atrair produtores, que depois se deparam com custos maiores e remunerações menores.
A Lei da Integração (13.288 de 2016) estabelece que essas comissões, formadas por representantes dos integrados e da indústria para a qual fornecem os animais, são as responsáveis pela elaboração de projetos de viabilidade econômica para a obtenção de financiamentos. “O banco, segundo afirma no processo, apenas recebe os dados fornecidos pelas agroindústrias e elabora o projeto de financiamento, sem seguir o que diz a lei”, afirma a AIP, em nota. “[O BB] utiliza recursos públicos, como FCO, Inovagro e Moderagro, para financiar negócios sobre o qual se sabe a real viabilidade”.
Em sua defesa, o banco alegou que não está sujeito a essa lei e que os empréstimos são aprovados conforme critérios estabelecidos no Manual de Crédito Rural, do Banco Central. O Valor questionou o BB sobre como funciona o processo de empréstimo para agroindústrias integradoras, quanto emprestou a elas nos últimos anos e como a ação judicial poderia ter impacto sobre a concessão de crédito para o segmento no país. A instituição não respondeu.
A AIP é formada por avicultores de Nova Mutum (MT) que fornecem à BRF, empresa que nasceu da união entre Perdigão a Sadia. Procurada para comentar o assunto, a companhia de alimentos afirmou que não foi citada no processo e que, por isso, não comentaria as falas da AIP.
O assunto não está sendo discutido apenas entre advogados da AIP e do Banco do Brasil. O escritório Machado Meyer afirma acompanhar com atenção o processo porque uma decisão em favor da associação pode abrir precedentes para o mercado brasileiro de crédito rural.
João Reis, sócio do Machado Meyer, diz que, segundo informa o processo, a inadimplência do BB nessas operações é muito baixa, o que dificilmente ocorreria se a agroindústria realmente inflasse os números. Ele entendeu que a AIP está tentando tomar para si o papel de estabelecer critérios para financiamento rural, uma vez que as Cadecs são compostas por nomes que os integrados indicam. “Quem ditaria os critérios para o banco, portanto, seriam os próprios produtores”, avalia.
A AIP rebate e diz que só quer que a Lei de Integração seja cumprida. “[É] para que o produtor que decida investir na atividade saiba quais são as reais condições econômicas e técnicas, como por exemplo a real estimativa de remuneração e os custos de produção. Informações simples, que, porém, não temos”, afirma, em nota.
Reis explica que o caso ganhou outros contornos recentemente, quando o desembargador João Egmont Lopes deu ganho de causa à AIP e estendeu a decisão para todos os produtores integrados do Brasil. “A associação estava pleiteando em favor de seus próprios integrados”, comenta o sócio do Machado Meyer. Mas o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins, concedeu uma liminar a pedido do BB que suspendeu a execução de qualquer decisão antes que o caso termine de ser analisado no Tribunal de Justiça do Distrito Federal.