Com basicamente duas operadoras privadas, 40% dos trilhos no Brasil estão sem uso, o frete é 50% mais caro do que em países concorrentes e só 15% da infraestrutura atende ao setor
Segundo o presidente da Associação Nacional dos Usuários de Transportes de Carga (Anut), Luiz Antônio Baldez, atualmente, 30 mil quilômetros da malha ferroviária brasileira estão nas mãos da iniciativa privada, mas apenas 12 mil km estão em operação, sendo que 80% da carga é composta por minério de ferro, 15% por produtos agropecuários e 5% de outros tipo de mercadoria. “É muito pouco. O Brasil precisa ampliar sua malha ferroviária para uns 50 mil quilômetros e diversificar as cargas”, afirma o representante da Anut.
Para piorar ainda mais a situação, Baldez indica que o frete brasileiro é 50% mais caro do que nos países concorrentes em produção de commodities, como os Estados Unidos e a Argentina. “A diferença de preço entre os fretes ferroviário e rodoviário é praticamente zero: R$ 120 por TKU (tonelada-quilômetro útil)”, aponta.
“O milho produzido no norte de Mato Grosso, para abastecer a suinocultura e a avicultura do Nordeste, é mais caro para os nordestinos do que o milho importado dos americanos. No Sul, o mesmo acontece com os cereais que vêm da Argentina. Nossa logística ainda é muito precária na área de ferrovias e sem isso temos dificuldade em competir com o mercado externo”, acrescenta.
Baldez diz que não vê solução para o gargalo logístico no curto ou médio prazo. “Uma ferrovia de 400 km leva, no mínimo, quatro anos para ser construída, desde a desapropriação até a instalação dos trilhos”.
O atual plano trienal do governo para a gestão do modal envolve R$ 46,6 bilhões em investimentos (entre 2019 e 2021) — o menor valor entre todos os tipos de transporte — de acordo com o Ministério da Infraestrutura (MInfra). “Temos muita coisa pra fazer no Brasil, mas o orçamento é realmente curto”, disse o diretor do Movimento Pró-Logística, Edeon Vaz, em entrevista recente ao Canal Rural.
“O grande gargalo no Brasil continua sendo o transporte ferroviário, que é um modal caro, embora seja o mais eficiente”, afirmou o também consultor da Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja). “O que nós temos que fazer é ampliar nossas ferrovias e hidrovias”, defende Vaz.
Concessões de ferrovias
Apesar do cenário desanimador, o presidente da Anut pondera que um projeto que está tramitando no Senado propõe a modernização do setor, com a entrada de novos investidores. O texto foi apresentado em 2018, pelo senador José Serra (PSDB-SP).
Nesta semana, o relator da proposta, senador Jean Paul Prates (PT-RN), sinalizou que não vai protestar caso o governo edite uma medida provisória com o mesmo conteúdo. A ideia é defendida pelo ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas.
Atualmente, a malha ferroviária é administrada basicamente por duas empresas, a Rumo e a Vale.
Procurada pela reportagem, a Rumo, que controla 14 mil quilômetros de trilhos em nove estados, declarou, por nota, que está trabalhando para reduzir os custos do transporte.
“Aumentamos os volumes movimentados com uma tarifa cada vez mais competitiva no principal corredor de exportação do agronegócio brasileiro, o trecho que liga o Terminal Ferroviário de Rondonópolis (MT) ao Porto de Santos (SP). Uma tonelada de soja que sai de Sorriso (MT) e é movimentada de trem de Rondonópolis a Santos custava R$ 175 ao produtor em 2016. Em 2020, o valor era de R$ 130 por tonelada. É uma redução de 26% em cinco anos, em valores nominais”, afirma a companhia.
Futuro
A Agência Nacional dos Transportes Terrestres (ANTT) reconhece que seis novos projetos ferroviários ainda estão em fase de discussão, sem previsão de sair do papel. No entanto, destaca que a produção de transporte ferroviário apresentou um salto de 30,1% na comparação de março de 2021 com o mesmo período do ano passado. “Foi registrado aumento por todas as concessões ferroviárias do país, e na totalidade dos setores analisados”, pontua.
O órgão declara que “há um esforço do governo para ampliar esse modal e as perspectivas são bastante encorajadoras para investidores internacionais”. O posicionamento é endossado por Vaz, do Movimento Pró-Logística: “O atual governo tem sido batalhador para conseguir implantar essas ferrovias”.
O consultor de Logística da Confederação Nacional do Agronegócio (CNA), Luiz Antônio Fayet, no entanto, diz que tem feito contrapontos à gestão atual, na área de infraestrutura. “Eu sou um crítico da política que está sendo adotada em transportes, de modo geral”, posiciona-se o especialista.
Para o fim de agosto, está prevista a assinatura do contrato de concessão da Ferrovia de Integração Oeste-Leste (Fiol). O primeiro traçado do projeto tem 537 km de extensão e atravessa vários municípios da Bahia. A Fiol 2, que interligará Caetité a Barreiras com extensão de 485 km, está em construção pela Valec. E a Fiol 3, entre Barreiras e Figueirópolis com cerca de 505 km, possibilita a conexão da ferrovia inteira à Ferrovia Norte-Sul.
Outra meta do governo é avançar nas obras da Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), entre Mara Rosa (GO) e Vilhena (RO), com estimados 1.641 km de extensão, além de dar andamento à concessão da Ferrogrão (EF-170), em trecho com mais de 900 km de extensão, entre Sinop (MT) e Porto de Miritituba (PA).
“Nós vamos ter três grandes ferrovias disponibilizadas em função dos grãos no MT”, prevê Vaz. “Nossa logística tem evoluído muito. Tínhamos muito pouca produção sendo escoadas pelo Arco Norte”, acrescenta, otimista. O especialista estima que, em 2009, nove milhões de toneladas de grãos eram escoados pelos terminais logísticos das regiões Norte e Nordeste, volume que chegou a 42,3 milhões de toneladas em 2020 — número comparável ao escoamento do Porto de Santos.