A redução da demanda tem pressionado as cotações da carne bovina no atacado no Brasil e também o valor pago pelo boi gordo. Já há algum efeito da diminuição do consumo sobre os preços no varejo, que caíram no mês passado, mas, com o poder de compra das famílias encolhendo por causa da inflação, a queda recente de preços ainda não se transformou em um propulsor da retomada do consumo – e, para analistas que acompanham o mercado da pecuária, há dúvidas sobre a possibilidade de esse quadro mudar no curto prazo.
O mês passado foi o primeiro de 2022 em que os preços da carne bovina recuaram no varejo paulista. O quilo da proteína ao consumidor caiu 0,3% e, na última segunda-feira, saiu por R$ 51,56, em média, segundo levantamento da Scot Consultoria. Mesmo com o declínio, o valor ainda é 22% superior ao de um ano atrás.
O recuo dos preços da carne no varejo ocorreu como reflexo da queda no atacado. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), o quilo da carcaça casada, que inclui toda a carne do boi antes da desossa, caiu 6,3% no atacado paulista e chegou a R$ 20,13 no fim de maio – esse foi o primeiro recuo desde fevereiro. Já a Scot registrou queda de 1,5% no produto desossado, para R$ 33,21 por quilo, em média.
A arroba do boi vendido para o mercado interno está em queda há três meses, em parte devido à diminuição da demanda, que pressionou as cotações no atacado, em parte como reflexo do aumento da oferta de animais no campo. Segundo a Scot, entre 25 de fevereiro e 31 de maio, a cotação da arroba caiu 10,7%, a R$ 297,50.
Em valores nominais, no momento, o boi está 2,6% mais barato do que há um ano, calcula a Scot. Mas a inflação acumulada entre maio de 2021 e abril deste ano chega a 12,47%; no grupo alimentos e bebidas do IPCA, o índice oficial de preços do país, a alta é de 13,44%, informa o IBGE. Na prática, o boi ficou mais acessível, uma perspectiva que animava os principais frigoríficos do país, como noticiou o Valor, mas o impulso ao segmento ainda não se concretizou.
No começo do ano, a disponibilidade de fêmeas aumentou, diz a Scot. E agora, com a deterioração dos pastos por causa da queda das temperaturas, há mais animais saindo dos pastos porque os criadores optam por vendê-los para não gastar mais com suplementação nas rações.
Amanda Skokoff, analista da Scot, atesta que a demanda retraída de fato pressionou as cotações em maio, mas ressalva que só foi possível haver queda de preços porque o varejo tinha conseguido recuperar parte de suas margens nos meses anteriores. “Tanto é que, no começo do ano, mesmo com as quedas do boi, não vimos os repasses chegando ao varejo”, afirma. Ela diz ser difícil cravar uma tendência para os próximos meses, já que o segundo semestre tende a ser mais movimentado, com a criação de empregos temporários e expectativa de redução no índice de desemprego no país.
Para Thiago Bernardino, pesquisador de pecuária do Cepea, o recuo dos preços ainda é insuficiente para dar um impulso mais firme ao consumo da carne bovina. “As pessoas estão substituindo a carne por arroz, feijão e verduras, e não por proteínas mais baratas”, diz. “O frigorífico e o atacadista conseguem formar estoques até um certo ponto, mas depois precisam liberá-los. E o consumo não reagiu em datas importantes, como a Páscoa e o Dia das Mães”, pondera ele. “No curto prazo, é difícil que [o consumo] reaja”.
Bernardino lembra que, em um cenário de poder de compra deprimido, as proteínas suína e de frango tendem a ganhar mais espaço, mas os preços demonstram que nem isso está ocorrendo. Os vendedores baixaram os preços em maio para evitar a formação de estoques. De 29 de abril a 31 de maio, a cotação da carcaça suína especial caiu 21% no atacado paulista, a R$ 7,93 por quilo, segundo o Cepea. Já o preço do frango inteiro congelado recuou 3,5%, a R$ 7,67 o quilo.