Quase uma unanimidade entre representantes do agronegócio e figura central no governo Bolsonaro, mas alvo de críticas recorrentes de ambientalistas e da agricultura familiar, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, deixa nesta quinta-feira o cargo para, a princípio, concorrer ao Senado por Mato Grosso do Sul. Ela será substituída pelo secretário-executivo da Pasta, o ex-deputado federal Marcos Montes (PSD-MG).
Não foram poucos os desafios de Tereza desde 2019, quando chegou à Esplanada com a benção da bancada ruralista, que havia presidido. E a vida de Montes também não será fácil, tendo em vista as incertezas domésticas e externas e a necessidade que ele terá de entregar um Plano Safra atraente diante de uma taxa Selic elevada e em ano eleitoral.
Embora não ameace a continuidade da expansão agrícola do país, acelerada nos últimos anos pela demanda aquecida e preços das commodities em patamares bastante remuneradores, a disparada dos preços dos fertilizantes, acentuada pela guerra na Ucrânia, eleva custos e preocupa os produtores.
Ao mesmo tempo, a alta dos juros, a suspensão das contratações do crédito equalizado e o aperto fiscal da União exigirão doses cavalares de traquejo político para convencer a equipe econômica a abrir os cofres em favor do agro no Plano Safra que será lançado em maio. Isso por mais que a “Lei do Agro”, que entrou em vigor no ano passado, tenha permitido a criação de novas fontes de financiamento privado, que estão em plena expansão.
A ausência de medidas efetivas de socorro aos produtores afetados pela seca também gera críticas do setor produtivo, sobretudo no Rio Grande do Sul. Mais um problema que cairá no colo de Montes, defendido por Tereza Cristina e pela bancada ruralista nas conversas com o presidente Jair Bolsonaro (PL) sobre a mudança no ministério.
Fontes consultadas pelo Valor nos últimos dias lembram que a gestão da ministra coincidiu com um período em que o agro brasileiro aproveitou os ventos favoráveis e “bombou”. A peste suína africana na China abriu ainda mais portas para soja e carnes do Brasil, que, com a ajuda da simbiose com os asiáticos, fez as exportações do agro em geral crescerem para mais de US$ 120 bilhões por ano e o valor bruto da produção (VBP) da agropecuária, a mais de R$ 1 trilhão.
“Foi muito mais a conjuntura internacional e doméstica que puxou o desempenho do setor agropecuário do que propriamente medidas de política governamental”, afirmou o economista Newton Marques, professor licenciado da Universidade de Brasília (UnB). “O governo não tem política setorial nem política para controlar a inflação e promover a retomada da atividade econômica”.
Na lista de cobranças estão as demandas da agricultura familiar, que se sente menos prestigiada após perder seu ministério específico e ser incorporada, junto com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Serviço Florestal Brasileiro e a Pesca, à Pasta de Tereza Cristina.
“A gestão foi regular. Não tivemos avanços no setor. Pelo contrário, enfrentamos muitas dificuldades”, disse o presidente da Confederação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), Aristides Santos. “A agricultura familiar ficou de fora do auxílio emergencial. A assistência técnica piorou muito nesse período e praticamente não existe por falta de orçamento”, afirmou.
A visão é bem diferente entre as lideranças do agronegócio, que realçam a “missão dificílima” de reorganizar a estrutura de um megaministério e elogiam Tereza Cristina. “Ela fez um grande trabalho e deixará um legado extraordinário”, disse Roberto Rodrigues, um dos maiores expoentes do setor no país e ex-ministro da Agricultura do governo Lula.
Um dos pontos altos da atuação da ministra foi no início da pandemia. Sem demora, ela se envolveu pessoalmente para garantir que a agropecuária e a agroindústria fossem tratadas como serviços essenciais, e de forma coordenada com o setor privado e com Estados e municípios, colaborou para que não houvesse ruptura nas cadeias de suprimento por causa das medidas que restringiram a circulação e evitou efeitos ainda mais danosos sobre oferta e preços dos alimentos. Também na pandemia, Tereza Cristina colaborou para evitar a taxação das exportações de grãos e a zerar as tarifas de importação de soja e milho, o que se mostrou sem efeito.
No front externo, a assinatura do acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia, que se arrastava havia décadas, foi concretizada em meados de 2019 e teve o dedo de Tereza Cristina. Ela sai do ministério com mais de 200 mercados abertos para os produtos do agronegócio brasileiro ao redor do mundo durante sua gestão, mas sem conseguir da China tratamento preferencial – vide o embargo de Pequim à carne bovina brasileira em 2021, que durou mais de três meses e seguiu sem justificativas.
E o setor continua a cobrar novos acordos comerciais bilaterais, necessários para impulsionar as exportações de produtos como frutas e sucos, por exemplo, além da própria ratificação do protocolo com os europeus, que emperrou após críticas ao Brasil pelo desmatamento recorde na Amazônia – foram 10,3 mil km²em 2021, o maior número em dez anos – e pelas queimadas no Pantanal, que destruíram quase 4 milhões de hectares em 2020.
No comando do ministério, Tereza Cristina criou e repetiu incansavelmente o mantra de que o Brasil é uma “potência agroambiental”, em uma tentativa, até agora frustrada, de mudar a imagem negativa do agro nessa frente. Um avanço nessa seara foi a instalação do Observatório da Agropecuária. A ministra lançou ainda a plataforma para Análise Dinamizada do Cadastro Ambiental Rural (CAR), que já ajudou a verificar milhares de registros de propriedades.
Mais discreta, habilidosa e apaziguadora, ela se esquivou das polêmicas ambientais reverberadas por Bolsonaro, mas, em silêncio, avalizou políticas que enfraqueceram a fiscalização e a aplicação de multas, dizem ambientalistas.
Talvez os episódios mais polêmicos com a participação direta de Tereza Cristina tenham sido a defesa da tese do “boi bombeiro” diante da tragédia no Pantanal e seu posicionamento favorável à exploração mineral em terras indígenas, no bojo das ações do novo Plano Nacional de Fertilizantes – tratado como um “plano de Estado”, mas que depende 100% de investimentos privados.
Para a diretora do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), Marina Piatto, a atuação da ministra foi estratégica para o agro empresarial e ela poderia ter feito muito mais em temas ambientais. “Ela se absteve de causas ambientais. A boiada passou e continua passando, o que prejudica a imagem do agronegócio brasileiro”.
Já a rusga mais acintosa foi com os produtores de sementes de soja de Mato Grosso, que até agora não engoliram a mudança no calendário de plantio da oleaginosa no Estado – a contragosto da Embrapa -, que agora permite a semeadura até fevereiro. A pauta atendeu diretamente produtores mais ligados a Bolsonaro, que o defenderam nas manifestações de 7 de setembro de 2021 e já divulgaram apoio à reeleição.