A Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), da unidade Suínos e Aves, em Concórdia (SC), tem estudos que mostram o arroz no prato de frangos e suínos, como parte da ração animal. O tema volta agora mais fortemente à mesa dos criadores que enfrentam os altos preços da dieta animal, decorrentes da crescente valorização do milho e da soja.
De acordo com a Embrapa, paralelamente, o excesso de oferta de arroz no mercado nacional, com uma sobra de 600 a 800 mil toneladas na safra 2020/2021, reforça a viabilidade do grão para baratear as rações de suínos e aves, que atualmente respondem por cerca de 70% a 80% do custo de produção das duas atividades. “O arroz é um grão que tem como prioridade a alimentação humana e vai continuar sendo assim. Mas agora existe um excedente e a alimentação animal é uma alternativa”, explica Rodrigo Ramos Rizzo, engenheiro agrícola e assessor especial da presidência da Farsul (Federação da Agricultura do Rio Grande do Sul).
“A Embrapa já mostrou que o arroz descascado (arroz marrom), do ponto de vista nutricional, serve perfeitamente para complementar ou substituir o milho na alimentação animal”, afirma Jorge Vitor Ludke, pesquisador da Embrapa Suínos e Aves.
Já faz três anos que o milho e a soja têm influenciado o desempenho da suinocultura e avicultura, de acordo com a CIAS (Central de Inteligência de Suínos e Aves da Embrapa Suínos e Aves), que apura mensalmente o comportamento dos custos de produção nos dois setores. O frete é um dos componentes que pesam no preço ao produtor, ainda mais fortemente se ele é obrigado a comprar o cereal a longas distâncias.
Para entender melhor como essa influência acontece na prática, basta observar a trajetória do preço das sacas de milho e soja. Segundo o Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), o preço médio real da saca de 60 quilos de milho passou de R$ 50,11, em abril de 2019, para R$ 97,15, em abril de 2021 – ou seja, um aumento de 93,9%. No mesmo período, a saca de soja encareceu 68,1%. Isso significa que os custos de produção da suinocultura e avicultura cresceram quase que na mesma proporção nos últimos três anos.
Esse movimento para cima nas cotações do milho e soja foi puxado pelas incertezas relacionadas à pandemia da Covid-19, valorização do dólar frente ao real, alta demanda por grãos no mercado asiático (principalmente o chinês) e quebras na primeira e segunda safras de milho devido a problemas climáticos e à cigarrinha-do-milho. Mas o arroz vive situação oposta.
Os arrozeiros gaúchos e catarinenses, responsáveis por 91% da produção brasileira, atingiram produtividade recorde e entregaram 8,5 milhões de toneladas na safra 2020/2021, a quarta maior da história. Porém, com a estabilização do consumo no mercado interno e menores vendas para o exterior (especialmente para a África) na comparação com 2020, sobrou arroz no país.
O uso do arroz na alimentação animal faz parte de um debate retomado de como garantir um fluxo contínuo de alimentos alternativos para a suinocultura e avicultura. A Embrapa tem sido uma das protagonistas dessa discussão que interessa especialmente à Região Sul, que vê todo ano o déficit de grãos para suínos e aves aumentar. “Temos colaborado nessa discussão apresentando nossas pesquisas que mostram como cereais de inverno podem ocupar áreas ociosas no Sul do país e gerar bons resultados para produtores de grãos e de proteína animal”, afirma a pesquisadora Teresinha Bertol, da Embrapa Suínos e Aves.
Pesquisas conjuntas desenvolvidas por equipes da Embrapa Trigo (RS) e Embrapa Suínos e Aves apontam que cereais de inverno (como trigo, aveia, centeio, cevada e triticale) podem ocupar cerca de 6 milhões de hectares em Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Essas áreas ficam ociosas após a colheita de verão e poderiam estrategicamente ser usadas para regionalmente abastecer de grãos o mercado de proteína animal.
Segundo estudos da Embrapa, o trigo e o triticale são os grãos de inverno com maior potencial para substituir o milho e o farelo de soja nas dietas para suínos e aves. “São necessários ajustes nos níveis dos ingredientes que compõem as rações de forma a manter níveis equivalentes de nutrientes e de energia para atender às exigências dos animais em cada fase. Porém, o trigo e o triticale possuem viabilidade técnica e econômica e podem suprir parte significativa do déficit de milho no Sul do Brasil”, ressalta Teresinha Bertol.
O uso de cereais de inverno na produção de proteína animal não é novidade. Há muito que se discute como grãos adaptados aos meses mais frios podem contribuir na produção de suínos e aves. A diferença nesse momento é a mobilização que o tema despertou. Produtores, indústrias, pesquisadores, entidades representativas do setor produtivo e várias instâncias do poder público se uniram para encontrar uma maneira concreta de aproximar os interesses dos produtores de grãos das necessidades das indústrias de suínos e aves
Pelo menos duas ações já se materializaram a partir da mobilização em torno dos cereais de inverno. O governo do estado de Santa Catarina, estado que é o maior importador de milho no Brasil, lançou em fevereiro de 2020 o Programa de Incentivo ao Plantio de Grãos de Inverno. O programa conta com o suporte técnico da Embrapa e da Epagri/SC (Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina), fornecimento de insumos e assistência técnica do setor cooperativista e aquisição dos grãos pelas indústrias de suínos e aves. “Não há dúvida da viabilidade técnica dos cereais de inverno. O que faltava era um modelo de negócio, que começou a surgir a partir de 2020”, lembra a pesquisadora Teresinha Bertol.
Outra iniciativa é o projeto Duas Safras no RS, parceria entre o sistema Farsul, Senar-RS (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural e Casa Rural), ABPA (Associação Brasileira de Proteína Animal) e Embrapa. O Duas Safras, lançado em 2021, visa incentivar o uso das áreas ociosas no inverno e ainda costurar acordos com as indústrias de suínos e aves para garantir contratos de compra futura dos cereais produzidos nos meses frios. De acordo com o presidente da Farsul, Gedeão Pereira, o projeto já iniciou a mobilização para capacitar os produtores de grãos gaúchos interessados em trabalhar com os cereais de inverno. (Com Embrapa)