A confirmação de novos casos de peste suína africana (PSA) em javalis selvagens na Catalunha desencadeou, em Espanha, a maior operação de contenção desde 1994, envolvendo militares, polícias, guardas florestais e técnicos mobilizados para travar a propagação do vírus. Contudo, o impacto já ultrapassa a fronteira: Portugal começou a sentir pressão no mercado interno com a entrada de carne mais barata proveniente de Espanha.
Como foi detetado o surto?
O primeiro alerta surgiu na sexta-feira, quando os serviços ambientais catalães encontraram dois javalis mortos no Parque Natural de Collserola, nos arredores de Barcelona. As análises laboratoriais, realizadas sob orientação do Ministério da Agricultura de Espanha, confirmaram a infeção por PSA.
Nos dias seguintes, as autoridades reforçaram a vigilância e localizaram mais javalis mortos na mesma área. O número de casos subiu rapidamente para nove, todos concentrados naquela zona florestal. O foco foi comunicado de imediato à Comissão Europeia e à Organização Mundial da Saúde Animal, como exigido para doenças de notificação obrigatória.
Como o vírus chegou ao Parque de Collserola?
Segundo o Governo da Catalunha, a hipótese mais provável é que um dos javalis tenha ingerido restos de comida contaminada deixados numa área de serviço próxima. O conselheiro catalão da Agricultura, Òscar Ordeig, referiu que a proximidade a estradas movimentadas e a zonas de circulação de camiões torna “muito provável” que o vírus tenha sido introduzido através de restos de produtos cárneos, possivelmente uma sandes abandonada.
A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) de Portugal reforça que o vírus pode sobreviver durante longos períodos em carne, enchidos e subprodutos suínos, mantendo-se ativo mesmo em condições ambientais adversas.
Porque é que Espanha mobilizou militares?
A resposta está na elevada transmissibilidade do vírus e no impacto económico associado a um surto. Segundo o Ministério da Agricultura espanhol, cerca de 150 militares da Unidade Militar de Emergências foram destacados para o terreno, juntamente com cerca de 250 agentes da polícia catalã, Proteção Civil e Guardas Florestais. As equipas estão encarregues de cercar a área afetada, recolher e analisar carcaças, capturar javalis, desinfetar acessos e monitorizar permanentemente o perímetro.
De acordo com o governo catalão, trata-se de uma “operação extraordinária” que visa impedir a chegada do vírus às 39 explorações de suínos localizadas num raio de 20 quilómetros. Até ao momento, não há registo de infeções em suínos domésticos.
Porque é que o vírus é tão perigoso?
A DGAV e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) explicam que o vírus da PSA é altamente resistente, sobrevivendo no ambiente durante períodos muito longos: permanece ativo durante meses em cadáveres de javalis, semanas em fezes e urina e mais de mil dias em carne congelada. Essa resistência a baixas temperaturas e à decomposição torna o vírus extremamente difícil de eliminar.
Além disso, não existe vacina ou tratamento. A transmissão ocorre por contacto direto entre animais, por secreções e excreções, pela ingestão de produtos contaminados ou por via indireta, através de equipamentos, veículos, roupas ou insetos hematófagos. Para a FAO, a PSA é atualmente “a ameaça mais séria à suinicultura mundial”.
Qual o impacto económico imediato?
Segundo o ministro espanhol da Agricultura, Luis Planas, a deteção do surto levou à suspensão imediata de cerca de um terço dos certificados de exportação de carne suína espanhola. Países como China, Taiwan, México e Reino Unido anunciaram restrições totais ou regionais às importações.
Os reflexos já se fazem sentir em Portugal. Em declarações à CNN Portugal, a Federação Portuguesa de Associações de Suinicultores (FPAS) confirma que a situação está a gerar impacto económico imediato. Com Espanha temporariamente impedida de exportar para países terceiros, “o excedente terá de ser colocado no mercado interno”, criando “pressão imediata sobre o mercado ibérico”.
O representante da FPAS admite que os efeitos ainda são iniciais, mas inevitáveis:
“É natural que, com o passar das semanas e com o excesso de carne no mercado espanhol, haja uma pressão crescente, por via de uma oferta muito superior à procura.”
Há risco para Portugal?
A DGAV reforçou os alertas às explorações nacionais, apelando ao cumprimento rigoroso das medidas de biossegurança: desinfeção de veículos e equipamentos, eliminação adequada de subprodutos, proibição absoluta de alimentar suínos com restos de comida, vigilância reforçada em zonas de caça e prevenção de acesso de javalis a restos alimentares.
Portugal não regista casos de PSA desde 1999, mas a proximidade geográfica e a forte interação económica com Espanha exigem vigilância apertada. O representante da FPAS afirma que, sanitariamente, o foco está “muito circunscrito”, mas lembra que o risco nunca é nulo.
Espanha delimitou duas zonas de restrição:
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Raio de 10 km, com militares e drones na procura ativa de javalis mortos.
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Raio de 50 km, totalmente fechado a movimentação de suínos ou animais selvagens.
Nesta área mais ampla, existem três explorações obrigadas a proceder a vazio sanitário, eliminando todos os animais para evitar qualquer possibilidade de propagação.
Há algum perigo para os consumidores?
Segundo o Ministério da Agricultura espanhol, a DGAV e a FAO, o vírus da PSA não se transmite a seres humanos e não representa risco para a saúde pública, mesmo no consumo de carne de suínos infetados. Por isso, o ministro Luis Planas apelou à “tranquilidade dos consumidores”, reforçando que o impacto é exclusivamente sanitário e económico.
O que se espera agora?
Técnicos do Ministério da Agricultura espanhol e da Comissão Europeia estão no terreno a acompanhar a resposta ao surto. O governo catalão anunciou apoios financeiros para produtores potencialmente afetados. Nos próximos dias, deverão ser divulgados novos resultados laboratoriais relativos a javalis encontrados com sintomas suspeitos.
O representante da FPAS destaca ainda um ponto que trouxe algum alívio ao mercado: a China aceitou a proposta de regionalização feita por Espanha, aplicando restrições apenas à província de Barcelona. Esta decisão permitiu estabilizar parcialmente os mercados.
Ainda assim, alerta: “Isto foi decretado na sexta-feira, e temos de acompanhar a evolução da situação.”
As autoridades esperam que o foco permaneça contido na área de Collserola, embora admitam que o número de casos em javalis possa aumentar nas próximas semanas, enquanto continuam os trabalhos de rastreio, vigilância e desinfeção.
















































