Parlamentares e representantes da cadeia produtiva dos alimentos questionam e defendem mudanças nas regras propostas pelo governo para a desoneração de alimentos da cesta básica na Reforma Tributária. Entre as avaliações, estão a de que a seletividade na cobrança de impostos não deve ter os efeitos desejados nos preços finais de produtos e a de que a lista de produtos com alíquota zero deve ser maior que sugerida pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional.
O Ministério da Fazenda sugeriu imposto zero para 15 produtos, como arroz, feijão, farinha, leite, açúcar e margarina. Outra lista teria redução de 60%, incluindo carne bovina, suína e de peixe, e o sal. E uma terceira, com “artigos de luxo”, teria alíquota normal. O imposto pago voltaria parcialmente para as famílias de baixa renda com renda per capita de até meio salário-mínimo (o “cashback”).
A Associação Brasileira do Feijão (Abifeijão) avalia que a proposta do governo não terá impacto sobre os preços da leguminosa. O diretor presidente da entidade, Mauro Bortolanza, afirma que o comércio do produto já é pouco tributado. E, em alguns Estados, não há cobrança de impostos. “No caso do feijão, a medida serve mais como propaganda de governo do que como benefício efetivo”, diz.
Sobre o comércio de feijão, não há incidência de Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) nem de PIS e Cofins desde 2004. E as alíquotas nos Estados são baixas, porque sempre foi considerado um alimento básico. “Em São Paulo, por exemplo, a alíquota seria de 7%, mas, há anos, existe um crédito outorgado que devolve os valores pagos à indústria. Então, a incidência, na prática, é 1%”, afirmou.
O mesmo ocorre em outros Estados. Em Minas Gerais e Paraná, por exemplo, dois dos principais produtores de feijão do país, o imposto é zero para a comercialização interna. “Alguns Estados como Pernambuco colocam imposto maior para o feijão que entra de fora do Nordeste, mas uma alíquota baixa para o produto da região. Mesmo neste caso, terá pouco impacto”, disse Bortolanza.
Ele acredita que o importante é manter impostos zerados de fato para itens essenciais, como arroz, feijão, farinha, leite, ovos, frango e carnes. “Mas carne não precisa ser picanha. Do ponto de vista nutricional, qualquer carne serve”, comenta, ressaltando ainda estar no aguardo da regulamentação da reforma para ter uma avaliação mais detalhada sobre o tema.
A Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa as indústrias processadoras de aves e suínos do país, diz apoiar a regulamentação da reforma tributária, mas entende ser um “grande equívoco” deixar as carnes de fora da desoneração da cesta básica.
“A Reforma Tributária deve preservar a manutenção do pleno acesso às proteínas dos mais variados perfis, seja in natura ou processadas, nos mesmos patamares ofertados à extensa lista de carboidratos com tarifa zero”, argumenta a entidade, em nota. “A ABPA confia que o Congresso Nacional corrigirá este equívoco, fazendo com que a reforma cumpra um de seus papéis, que é o de facilitar o acesso das famílias mais carentes aos alimentos essenciais”, acrescenta.
Representante das processadoras de carne bovina, a Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (Abiec) tem posição semelhante. Em nota, o líder do Comitê Jurídico da entidade, Alexandre Perlatto, destaca que o produto está na dieta da população mais carente. E, se não tiver imposto zero, pode encarecer a produção.
“Alimentos que compõem a cesta básica, que não deve ser tão enxuta, não poderiam ser tributados. Deixar [a carne bovina] de fora [da desoneração] encarecerá toda a cadeia produtiva, podendo trazer insegurança alimentar à população brasileira, sobremaneira aos mais humildes”, diz Perlatto, em nota.
O Fórum Nacional Sucroenergético, que reúne a indústria de açúcar, é contra a seletividade na cobrança de impostos. A entidade critica a inclusão das bebidas açucaradas entre os segmentos que devem ter a incidência do chamado “imposto do pecado”. E afirma que vai trabalhar no Congresso Nacional para derrubar a proposta.
O imposto seletivo não é para arrecadar. Já tem uma redução de consumo de bebidas açucaradas reduzindo no Brasil por outros motivos. [O IS] só vai penalizar quem ainda consome, e [o produto] vai ficar mais caro”, critica o presidente do Fórum Nacional Sucroenergético, Mario Campos Filho.
Por outro lado, Campos Filho comemora a inclusão do açúcar na lista de 15 itens da cesta básica que terão a alíquota zerada. “Tinha que entrar na listagem. É um alimento extremamente importante”, defendeu.
A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia) também é contra o imposto seletivo. Em nota, a entidade avalia que não é a solução contra a obesidade e doenças crônicas relacionadas à má alimentação. Combater esses males, na visão da indústria, passa por informação e educação nutricional.
Para a Abia, a reforma tributária é a oportunidade que o Brasil tem de combater a fome, a insegurança alimentar e promover a justiça social por meio dos alimentos. “Durante todos os trabalhos da Reforma Tributária a Abia sempre defendeu que todos os alimentos pagassem menos impostos e que o Brasil se espelhasse nos países da OCDE, onde a média de tributação dos alimentos é de 7%”, afirma.
A Abia ainda ressalta que a indústria de alimentos e bebidas não alcoólicas processa 61% do que é produzido no campo, reúne mais de 38 mil empresas, produz 270 milhões de toneladas de alimentos e bebidas por ano, gera 1,97 milhão de empregos diretos e representa 10,9% do Produto Interno Bruto (PIB) do país.
Bancada ruralista apoia outra proposta
A Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), que reúne deputados e senadores ligados ao agro, criticou a proposta do governo e informou que vai apoiar outro projeto, que ela mesma apresentou e que integra um conjunto de propostas da chamada Coalizão de Frentes Parlamentares Produtivas. Ao todo, 13 projetos de lei complementar foram protocolados no Congresso Nacional.
A bancada ruralista é contra o “cashback” proposto pelo governo. E defende a inclusão de mais produtos na cesta básica com imposto zero. Quer a completa desoneração do sal, das carnes, ovos, óleos, gorduras, sucos naturais, castanhas e nozes, molhos preparados e condimentados, biscoito, bolos, chá e mate. O projeto está na Comissão de Finanças e Tributação da Câmara e o deputado Sérgio Souza (MDB-PR), ex-presidente da FPA, foi nomeado relator.
Em Uberaba (MG), onde participou de um evento, nesta sexta-feira (26/4), o presidente da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), deputado Pedro Lupion (PP-PR), disse que o projeto da bancada tem apoio de ampla maioria do Congresso e que está otimista para sua aprovação. Ele criticou a postura do governo, que, em sua visão “não cumpriu o combinado” sobre a cesta básica na reforma.
“O governo tinha clara noção de que precisava das proteínas animais, precisava dos produtos que nós colocamos, principalmente os derivados de leite. Não foi cumprido”, disse ele, acrescentando que insumos para a produção agropecuária, como defensivos agrícolas, também ficaram de fora da desoneração.
Sobre a inclusão de biscoitos, bolos e molhos condimentados na lista, Lupion defendeu a proposta da bancada ruralista. Argumentou que é preciso atender todo o setor alimentício e promover o acesso a produtos mais baratos pela população.
“Não tem justificativa ter um só tipo de bolo, um só tipo de pão ou um só tipo de farinha na cesta. Não vejo problema nenhum. Antes, era uma discussão por causa de ultraprocessados. Depois, por causa do açúcar. O que a gente está pensando é que o brasileiro tenha acesso a produtos mais baratos”, disse.
“Chegaremos a bom termo”, diz ministro
Também em Uberaba, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, evitou avaliar de forma detalhada a proposta da bancada ruralista. Defendeu apenas que o debate entre o Executivo e o Legislativo seja feito dentro da correlação de forças e respeitando a vontade da população.
“A produção de mais alimentos e de alimentos mais saudáveis deve ser privilegiada. Tenho certeza de que chegaremos a bom termo na regulamentação dessa grande reforma tributária tão esperada pelos brasileiros, que possa trazer competitividade à produção brasileira”, disse o ministro