A BRF vai mudar o comando, em mais um desdobramento da chegada de Marcos Molina à posição de acionista controlador da dona da Sadia. Depois de três anos como CEO, o mineiro Lorival Luz renunciou ao cargo.
Para seu lugar, a BRF trouxe um velho conhecido de Molina: Miguel Gularte, o atual CEO da Marfrig. Gaúcho de Bagé, o veterinário é um experiente executivo da indústria de carne bovina que já passou por JBS e Minerva, mas terá sua primeira incursão no negócio de frango e suínos.
Ao deslocar Gularte para a BRF, Molina também precisou alterar a chefia da Marfrig. Rui Mendonça, diretor-geral de industrializados, assume como CEO. O executivo vai liderar os negócios da Marfrig na América do Sul — nos EUA, Tim Klein segue no comando da National Beef.
Curiosidade: na bolsa de apostas de executivos que conhecem a Marfrig, muitos acreditavam que Sergio Rial, que é vice-presidente do conselho da BRF, poderia assumir como CEO e repetir o que fez na Marfrig entre 2012 e 2015, mas o ex-CEO do Santander foi nomeado há menos de 15 dias para a Lojas Americanas. Questão de timing.
Sempre especulada por quem conhece os bastidores de Marfrig, a saída de Luz ocorre num momento em que os resultados da dona da Sadia se recuperam ao mesmo tempo em que investidores e analistas ainda têm dúvidas sobre a estratégia espartana da BRF para segurar caixa.
No segundo trimestre, a BRF começou a colher os resultados da profunda redução feita na oferta de carne de frango, decisão tomada na gestão de Luz para recuperar as margens depois de um primeiro trimestre marcado por excesso e estoques (a dona da Sadia amargou um prejuízo de R$ 1,5 bilhão no período).
Para uma companhia que se caracterizou pelas dúvidas constantes sobre a estratégia de longo prazo, um problema causado pela falta de alinhamento entre os acionistas — Abilio Diniz e Tarpon e as eternas escaramuças dos fundos de pensão —, a troca de Luz por Gularte também sinaliza que poucas vezes um acionista foi tão relevante quanto é Molina.
Mas todo poder embute uma responsabilidade. Se é verdade que muita gente — inclusive na equipe interna — sonhava com o dia em que a BRF teria um dono para chamar de seu, também é verdade que Molina será cobrado pelos resultados (a dona da Sadia não paga dividendos desde 2016).
Nesse meio tempo, a BRF até conseguiu superar os piores momentos que começou com a Operação Carne Fraca e a disputa entre Abilio e os fundos de pensão, mas nunca voltou a empolgar os investidores como nos áureos tempos.
Sob a gestão da dupla LL&PP — como Lorival Luz e Pedro Parente ficaram conhecidos dentro da BRF —, a dona da Sadia reduziu o endividamento (a alavancagem caiu de mais de 6 vezes para perto de 3 vezes), mas as despesas financeiras ainda pesam muito.
O maior desafio talvez seja a execução comercial no Brasil, onde a Sadia e Perdigão enfrentam a concorrência inabalável da Seara. Em recente relatório, aliás, os analistas Thiago Duarte e Henrique Brustolin, do BTG Pactual, chamaram atenção para o risco embutido na estratégia da BRF de segurar o caixa num momento em que a concorrência investe fortemente.
Mas o fato é que a BRF terá de gerar caixa sozinha para se virar sem a controladora até por uma questão de mercado. Enquanto a tendência de margens de carne de frango é de recuperação, no negócio de carne bovina nos EUA (o principal da Marfrig), os sinais são de queda. Não à toa, a Marfrig passou a valer menos que a Minerva, que está concentrada na América do Sul.
Enquanto isso, não será uma surpresa se bancos de investimento voltarem a sondar Molina sobre deals envolvendo BRF e Marfrig. No passado, já houve abordagens para uma fusão completa e até uma união dos negócios da Marfrig na América do Sul com a dona da Sadia. Em qualquer hipótese, o controle parece inegociável.
A Marfrig está avaliada em R$ 9,7 bilhões e a BRF, em R$ 17,7 bilhões.