As suinoculturas brasileira e mundial passaram por um processo de intensificação e melhoria na produtividade alicerçado no confinamento, adoção de tecnologias e avanços no controle sanitário dos rebanhos. No passado, as principais causas de condenação de carcaças suínas se deviam a lesões compatíveis com tuberculose e cisticercose, que são facilmente detectáveis na linha de inspeção. A transformação na forma de criação dos animais modificou profundamente o perfil de risco atribuído à carne suína como veiculadora de zoonoses. Entretanto, o sistema intensivo de criação contribuiu para a disseminação de agentes etiológicos transmitidos por alimentos que podem causar doenças nos consumidores, os quais frequentemente estão presentes no sistema digestório do suíno ao abate.
No Brasil, o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (RIISPOA), publicado em 1952 e vigente por 65 anos, determinava a destinação de carcaças e vísceras conforme as lesões encontradas em liberação, destinação para o aproveitamento condicional ou condenação. O atual RIISPOA, publicado em 2017, mantém a determinação de destino de acordo com as lesões; porém, oportuniza mudanças de procedimentos, desde que baseadas em estudos de avaliação de risco. As especificações, quanto à forma de intervenção oficial no abate de suínos, são definidas pela Portaria 711/1995 (Brasil, 1995). Além dessas normas, foi publicada a Instrução Normativa nº 79/2018 que prevê um novo modelo de inspeção baseada no risco.
Atualmente, a maioria dos microrganismos relacionados com as lesões macroscópicas comumente observadas na inspeção post mortem não representa risco à saúde humana e muitos causam doenças apenas nos animais. Por outro lado, a maioria dos atuais perigos à saúde do consumidor é composta por microrganismos que não causam lesões observáveis nas linhas de inspeção, tornando-se o maior desafio sanitário no abate de suínos.
PRINCIPAIS LESÕES QUE RESULTARAM NO DESVIO DA CARCAÇA PARA O DIF OU A CONDENAÇÃO DAS VÍSCERAS NA LINHA DE INSPEÇÃO
Em estudo recente publicado pela EMBRAPA, após avaliação de dados obtidos a partir do Sistema de Inspeção Federal, a maior frequência de desvio/condenação de vísceras foi pulmão (31,53%), seguido pelo fígado (15,24%), rim (14,44%) e coração (8,49%). A carcaça de 10,2% dos suínos sofreu alguma forma de depreciação como aproveitamento condicional, condenação parcial ou total. As causas de desvio/condenação com frequência percentual maior ou igual a 0,1% em relação ao total de suínos abatidos estão listadas na Tabela 1.
Tabela 1: Adaptado de Modernização da inspeção sanitária em abatedouros de suínos – inspeção baseada em risco. Opinião científica / Jalusa Deon Kich … [et al.]. – Concórdia : Embrapa Suínos e Aves, 2019.
Causa de desvio/ condenação | Estabelecimentos com essa ocorrência (%) |
Baço | |
Contaminação | 84 (73,68) |
Congestão | 72 (63,16) |
Esplenite | 51 (44,74) |
Outras causas* | 46 (40,35) |
Cabeça | |
Contaminação | 105 (92,11) |
Outras causas* | 75 (65,79) |
Coração | |
Pericardite | 103 (90,35) |
Contaminação | 110 (96,49) |
Aderências | 23 (20,18) |
Outras causas* | 68 (59,65) |
Estômago | |
Contaminação | 51 (44,74) |
Outras causas* | 42 (36,84) |
Fígado | |
Peri-hepatite | 102 (89,47) |
Migração larvar | 99 (86,84) |
Contaminação | 111 (97,37) |
Congestão | 106 (92,98) |
Esteatose | 76 (66,67) |
Outras causas* | 108 (94,74) |
Intestino | |
Contaminação | 104 (91,23) |
Enterite | 72 (63,16) |
Linfadenite | 36 (31,58) |
Pneumatose | 77 (67,54) |
Outras causas* | 98 (85,96) |
Língua | |
Contaminação | 106 (92,98) |
Outras causas* | 60 (52,63) |
Pulmão | |
Pneumonia enzoótica | 86 (75,44) |
Enfisema | 84 (73,68) |
Asfixia | 3 (2,63) |
Aspiração de sangue | 91 (79,82) |
Congestão | 101 (88,60) |
Contaminação | 108 (94,74) |
Aspiração de água | 81 (71,05) |
Atelectasia pulmonar | 73 (64,04) |
Congestão pulmonar | 61 (53,51) |
Pneumonia | 68 (59,65) |
Aderências | 33 (28,95) |
Pleurite | 28 (24,56) |
Outras causas* | 99 (86,84) |
Rim | |
Cisto urinário | 96 (84,21) |
Nefrite | 107 (93,86) |
Contaminação | 104 (91,23) |
Congestão | 103 (90,35) |
Uronefrose | 35 (30,70) |
Infarto anêmico | 86 (75,44) |
Outras causas* | 65 (57,02) |
Carcaça | |
Aderências | 86 (75,44) |
Contaminação | 99 (86,84) |
Contusão | 93 (81,58) |
Pleurite | 59 (51,75) |
Abscesso | 96 (84,21) |
Lesão traumática | 38 (33,33) |
Linfadenite | 67 (58,77) |
Pneumonia | 75 (65,79) |
Criptorquidismo | 66 (57,89) |
Sarna | 41 (35,96) |
Lesão supurada | 25 (21,93) |
Escaldagem excessiva | 70 (61,40) |
Peritonite | 73 (64,03) |
Outras causas* | 103 (90,35) |
Raquel Lopes Hungueri dos Santos, MV e MSc em Ciência Animal, e Heloiza Irtes Nascimento, MV e MSc em Ciência Animal colaboram com a edição 06 da Revista do SuiSite com o artigo exclusivo “Principais desafios sanitários no abate de suínos”.
Leia o material na íntegra a partir da página 32.