As autoridades sanitárias ainda consideram que vivemos uma pandemia, apesar de terem afastado o estado de emergência sanitária, mas no mercado de grãos, a covid já está ficando definitivamente para trás. Depois da euforia provocada pelo coronavirus, os preços de soja, milho e trigo devem enfim voltar aos níveis pré-pandêmicos até o fim do ano. Esta visão foi compartilhada nesta terça-feira (23/1) pelo estrategista sênior de commodities do Citi Research, Aakash Doshi, com analistas do banco.
O cenário indica um fim do curto “superciclo” de commodities vivido de 2020 a 2023, no qual o Brasil, especialmente, aproveitou a oportunidade e ampliou sua presença no mercado de grãos. Agora, os produtores brasileiros terão que conviver com um ambiente de preços menor e com maior competição internacional, com destaque para o retorno da Argentina ao tabuleiro global.
Na visão de Doshi, até 2025 os preços da soja na bolsa de Chicago devem voltar aos níveis inferiores a US$ 10 o bushel, os do milho devem recuar para US$ 3 o bushel, e o trigo, abaixo de US$ 5 o bushel. Estes eram os níveis de preços dos grãos em 2019.
“Nossa visão de base para o fim de 2024 é de que os preços de soja e milho, a não ser que haja algum choque de clima não previsto, vão retornar ao regime pré-covid de baixos preços e baixa volatilidade, mesmo que a guerra entre Rússia e Ucrânia persista”, afirmou.
Para este ano, o estrategista estima que os preços médios da soja ficarão perto de US$ 11 o bushel, já inferior aos US$ 13 o bushel registrados no ano passado e bem abaixo do pico de US$ 15 o bushel em 2022. Para o milho, a expectativa é que o preço médio neste ano ainda fique acima dos US$ 4 o bushel, mas já abaixo dos patamares de 2023 e bem distante do pico de 2022, de US$ 7 o bushel.
A visão é baseada em fundamentos bem mais confortáveis, sobretudo com a neutralização dos fenômenos La Niña e El Niño, que marcaram os últimos anos, e com a consequente melhora da produtividade em importantes produtores globais, como Estados Unidos e Argentina.
No caso da soja, Doshi compartilha com a visão de muitos no mercado de commodities de que o aumento da oferta argentina vai mais do que compensar a quebra na safra brasileira, garantindo uma oferta confortável no mundo. Além disso, o estrategista também considera que haverá o “efeito Milei”. A expectativa dele é de que o presidente ultraliberal faça reformas fiscais duras e estabilize inflação e câmbio, favorecendo a competitividade dos produtores argentinos no mercado global.
“Pela primeira vez em muitos anos, temos o potencial de a Argentina voltar ao comércio global, e isso desafia o Brasil como maior exportador da América do Sul”, avaliou.
Além da Argentina, outros países da América Latina, ainda que menores em produção, também estão com perspectivas de recuperação de produção, como Paraguai, Uruguai e Bolívia, ajudando a compensar a redução da oferta brasileira.
Os Estados Unidos também devem recuperar sua produção com força e superando a demanda, o que deve levar a um aumento dos estoques de passagem. O aumento da safra americana deve ser garantido pela normalização do clima e também pela redução do custo com fertilizantes, que voltaram aos níveis pré-guerra na Ucrânia, observa.
Demanda
Do lado da demanda, Doshi não vê perspectiva de um aumento forte puxando os preços, dado o cenário de desaceleração global. Mesmo a China deve aumentar pouco sua demanda por importação de grãos: a expectativa do estrategista é de crescimento de apenas 1% no volume de soja importado pelo país neste ano, para 102 milhões de toneladas, e de subida para 109 milhões de toneladas em 2025 – ainda assim, em um ritmo mais fraco que o esperado para o crescimento da produção global.
Já as importações chinesas de milho, que dispararam no ano passado, agora devem cair 5 milhões de toneladas. O país tem feito um esforço para aumentar sua produção doméstica de grãos, o que deve resultar em um avanço de 10 milhões de toneladas colhidas nesta safra.
Todo este cenário não deve ser afetado pela guerra na Ucrânia, acredita. E o motivo são os fatos: apesar dos governos ucranianos e russos não terem renovado o acordo de grãos em julho do ano passado, os dois países estão aumentando suas exportações, com destaque para as exportações de trigo da Rússia, que estão inclusive mais baratas que as dos EUA. O cenário baixista para os grãos é ainda reforçado pelo posicionamento dos fundos especuladores, que agora estão com posições vendidas nos contratos em Chicago, observou.
Para este primeiro trimestre, o analista ainda vê um cenário entre neutro e “baixista” para os preços da soja depois da forte onda de vendas de contratos na bolsa de Chicago em dezembro, com preço esperado em US$ 12,50 o bushel, mas no segundo trimestre a tendência é que os fundamentos pesem sobre a formação dos preços e a cotação fique em US$ 11,50 o bushel.
Para o milho, a estimativa dele é de que o preço varie entre US$ 3,85 e US$ 4,35 o bushel para o período daqui seis a 12 meses. No caso do trigo, a faixa de preços estimada para o período é de US$ 5 o bushel a US$ 5,50 o bushel.
NOTA DO AVISITE: Embora a análise se refira, especificamente, às commodities agrícolas, aplica-se, também, às de origem animal. O preço das carnes, por exemplo, já retroagiu, em média, a valores do início de 2021.